Bem Vindo!

TRANSEUNTES

Criado em abril de 2012, o grupo de pesquisa"Transeuntes: Estudos sobre performance e Teatro performativo" foi formado a partir da necessidade de artistas em ampliar os estudos sobre as intervenções performáticas nas ruas. Em parceria entre Professores e Alunos do Curso de Teatro (COTEA) da UFSJ (Universidade Federal de São João Del Rei), o projeto consiste, entre outros pontos, em estudos teóricos sobre determinados autores que abordam o teatro nas ruas e em experimentações práticas que visam inserir o espectador transeunte na construção dos processos criativos, a partir das temáticas referentes às abordagens atuais. A pesquisa tem como principal objetivo investigar as propostas de estreitamento entre a cena contemporânea e o espectador transeunte nas ruas de São João Del-Rei, visando analisar a inserção do público como participante das ações performáticas, na busca de:

(...) Utilizar o ambiente urbano de maneira diferente das prescrições implícitas no projeto de quem o determinou; enfim, de dar-lhe [espectador-cidadão] a possibilidade de não assimilar, mas de reagir ativamente ao ambiente. (ARGAN, 1998, p. 219)

Os membros atuais do grupo Transeuntes são:

Professores - Ines Linke e Marcelo Rocco.

Alunos - Débora Trierweiler; Diego Souza; Diogo Rezende; Fernanda Junqueira; Gabriela Ferreira; Guilherme Soares; Halina Cordeiro; Henrique Chagas; Isabela Francisconi; Kauê Rocha; Nathan Marçal; Paula Fonseca; Rick Ribeiro; Tatiane Talita.

domingo, 29 de novembro de 2015

Casa aberta: arte e pesquisa

O II Seminário Internacional Casa Aberta aconteceu de 26 de outubro à 8 de novembro. O seminário ocorre em consonância com a semana acadêmica do curso de teatro. No dia 30 de outubro alunos do curso de graduação em teatro da UFSJ se encontraram para trocar as experiências profissionais e acadêmicas na forma de comunicação oral. O grupo Transeuntes – Urbanidades marcou presença com estudos realizados a partir do espetáculo Deus é Fiel- Marca Registrada. Acentua-se a produção científica estimulada pelo grupo e a dedicação à pesquisa que o espaço acadêmico reflete. Os trabalhos podem ser encontrados na íntegra no livro Pequeno mapa de encontros e afetos organizado pela Professora Doutora Juliana Mota do curso de teatro. Abaixo encontram-se os títulos publicados e seus respectivos autores.

Notas sobre a cidade atravessada: as inserções do projeto urbanidades em são joão del-Rei – breve estudo sobre a encenação – Deus é Fiel- Marca Registrada.
Iolanda de Lourdes, Ines Link, Luis Firmato e Marcelo Rocco.



A reação transeunte frente a um espetáculo performativo: um estudo sobre Deus é Fiel- Marca Registrada.
Kauê Rocha

A submissão e o direito da mulher a partir do espetáculo Deus é Fiel- Marca Registrada.
Diego Machado e Fernanda Junqueira



A relação do corpo e as materialidades do espaço urbano como potencializador da dramaticidade da cena.
Edder Cardoso







A REAÇÃO TRANSEUNTE FRENTE A UM ESPETÁCULO PERFORMATIVO: UM ESTUDO SOBRE DEUS É FIEL - MARCA REGISTRADA

KAUÊ ANTONIO DA SILVA ROCHA1


ENSAIO E REAÇÃO
       

       Quando se inicia o processo de montagem de um espetáculo na rua, todo ensaio é vivido como a apresentação oficial. O público se forma gradativamente: alguns passantes interrompem seu percurso para acompanhar a inabitual movimentação em certo espaço da cidade; outros pelo menos observam as ações até seguirem seu caminho adiante, outros veem as cenas dos locais que estão; além das pessoas que já estavam no espaço de ensaio e foram surpreendidas pelo grupo. A cidade não está disponível para as sequências de ensaio que todo ator e diretor deseja (CARREIRA, 2010, p. 5)2. Desse modo, pode-se esperar qualquer tipo de reação da plateia formada, desde admiração e riso a ojeriza e revolta. Entretanto, quando se põe em prática aspectos conflitantes, como a montagem de um espetáculo cujo tema é a crítica a exploração da fé em uma cidade dominada por igrejas históricas e grande parte da população religiosa, os atores-performers preparam-se para enfrentar mais riscos durante o desenvolvimento das cenas. Tomando como ponto de estudo as situações vividas pelo grupo Transeuntes durante os ensaios e apresentações do espetáculo DEUS É FIEL – MARCA REGISTRADA em julho de 2015, vamos perceber as diversas reverberações das pessoas perante momentos que subvertem os fluxos da cidade.
         O espetáculo se constrói pelas ruas da cidade sendo guiado pela orientadora Abiqueila3, ocupando espaços do Centro e evidenciando a composição dos atores-performers, que criam figuras e personas e/ou personagens, escrevendo um texto urbano que critica extremismos religiosos que desprezam e atacam certas identidades, abordando temas como o lucro a partir da fé alheia, a homofobia, a submissão da mulher na atualidade (GASPERI,2015)4.


1 Graduando do curso de licenciatura em Teatro (COTEA), da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Bolsista/voluntário do curso de extensão Urbanidades. Estudante-pesquisador do grupo de pesquisa Transeuntes, cadastrado pelo CNPQ. Bolsista do Programa de Iniciação à Docência (PIBID Teatro). Membro do projeto de extensão Murundum- Grupo de Dança Contemporânea da UFSJ.
2 CARREIRA, André. A cidade como dramaturgia do teatro "de invasão". Disponível em: pt.scribd.com/doc/40287815/andre-carreira-a-cidade-como-dramaturgia#scribd. Acessado em: 30/09/15.
3 Interpretada pela atriz Lucimélia Romão.



Em um dos momentos da peça, uma bruxa é atacada por três anjos barrocos e amarrada em um poste; situação que desencadeia uma histeria coletiva e incentiva a orientadora a estimular a população a curar a mulher da bruxaria através de bolinhas oferecidas por dois vendedores. Esta cena faz referência à Fabiane Maria de Jesus, linchada e morta por moradores da periferia da cidade de Guarujá, em São Paulo, no ano de 2014, após ser acusada de sequestrar crianças para realizar magia negra. Durante os ensaios, tal cena sempre chamou a atenção dos transeuntes; entretanto, até metade deles, não houve nenhuma interrupção externa. Por mais que essa situação vista incitasse alguma interferência, o público parecia sentir a energia do grupo e ter receio de invadi-la. Porém, em certo ensaio, no ápice da histeria, dois jovens alheios à peça, que passavam pelo local, se aproximaram e pararam a cena, questionando o que estava acontecendo. A orientadora improvisou seu diálogo, tentando incorporar a cena à interrupção e convidando os rapazes para ajudarem a curar a bruxa. Um deles se afastou; o outro, desinteressado com a proposta feita e com a crença de que o fato era real, acusou o grupo de machucar a mulher amarrada ao poste e de causar barulho em sua vizinhança. Naquele momento, houve uma diluição entre o real e o ficcional, ocasionando uma quebra na energia dos atores imersos na cena. A inversão dos papéis sociais daquele momento, onde o pedestre se tornou uma figura de autoridade, despertou diversas respostas improvisadas dos atores. Depois de tentativas de trazer o jovem para a cena, atingiu-se o limite de uma possível jogo com ele, quando o mesmo disse que "daria tiros" caso o fato não parasse. Foram feitas várias tentativas, mas o grupo não conseguiu resolver a situação por meio da própria cena. Após este acontecimento, o diretor e os atores, temendo uma retaliação mais grave, comunicaram a ele que tal situação fazia parte do ensaio de uma peça de teatro, não sendo real. Visivelmente confuso, constrangido e posto em evidência, o rapaz iniciou uma série de justificativas, pondo em contradição pontos que havia falado. Encaminhado o ensaio para o espaço da cena seguinte, a atriz que interpreta a bruxa amarrada5 chamou o jovem para conversar, explicando sobre o grupo e convidando-o para assistir a apresentação. Essa situação, nesse dia, foi encarada pelo grupo como um dos momentos de maior risco vividos durante o processo, devido ao fato do risco físico dos atores. Segundo Carminda Mendes André, inspirada no livro O Teatro Pós-Dramático de Lehmann (2007), o risco é ao mesmo

4 GASPERI, Marcelo Eduardo Rocco de. Sinopse do espetáculo Deus é Fiel - Marca Registrada. Disponível em: www.invernocultural.com.br/wp-content/uploads/2014/05/guia-de-eventos_SJDR-281C2.pdf .Acessado em: 30/09/15.
5 A atriz Iolanda de Lourdes

tempo uma realidade da rua e um estimulante para o artista (ANDRÉ, 2007, p. 61)6. Curiosamente, nos dois dias de apresentação, o rapaz estava junto ao público, trazendo outros jovens de seu bairro para assistir ao espetáculo. Tal fato teve grande importância, já que mostrou o entendimento do rapaz em relação à cena e a presença de um público que possivelmente não está acostumado a ir ao teatro. Depois de vivenciar um momento crítico, os atores/performers puderam acrescentar na cena de histeria coletiva suas reações vividas com a possibilidade de uma interferência.

             Segundo Carreira (in LIMA, 2008), o risco físico permite a difusão de percepções dos atores                a partir dos possíveis efeitos dos seus gestos e deslocamentos, sobretudo quando os atores se                colocam em espaços não confortáveis e desconhecidos. Portanto, o risco revela-se como a                     possibilidade de imprevistos, e até de perigo à integridade física        
                         (CARREIRA apud GASPERI, 2010, p.17)7

      O espetáculo DEUS É FIEL - MARCA REGISTRADA usa de espinhosos temas para provocar os espectadores a uma reflexão sobre seus extremismos e preconceitos. Essa provocação lançada suscita no público diversos tipos de reação. Estando o espetáculo na rua, o espectador tem uma maior liberdade de evidenciar para o restante do público suas impressões.
Esse local específico e único, muitas vezes aberto à própria cidade, e às eventuais interferências dos espectadores-atuadores, vai trazer ainda a questão do inesperado, do diálogo e da incorporação do acaso dentro da obra. Como Glusberg aponta, "deve-se ter em mente que o elemento inesperado na performance é inesperado não só para o espectador, [...] mas também e primeiramente ao artista de performance, cujo trabalho sempre tem um aspecto de inesperado" (GLUSBERG apud ARAÚJO, 2009, p. 254)8


6 ANDRÉ, Carminda Mendes. O Teatro pós-dramático na escola. 2007. 206 f. Tese (Doutorado em Educação)– Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo. 2007. 7 GASPERI, Marcelo E. R. A aproximação entre a cena contemporânea e o espectador transeunte na sociedade espetacularizada: as margens do feminino: agrupamento Obscena. 2010, 103f. Dissertação (Mestrado em Artes) - Escola de Belas Artes, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Belo Horizonte (MG), 2010.
8 ARAÚJO, Antonio. A encenação performativa. Disponível em: www.revistasusp.br/salapreta/article/view/60357 Acessado em: 30/09/15

              O grupo também presenciou outro momento de interferência de um espectador durante os ensaios em julho. Nesse caso, a cena estava sendo realizada nas escadarias do Teatro Municipal e, como de praxe, um pequeno público se formou ao redor dos atores. Nela, a orientadora Abiqueila tentava "curar" um homem manco e um homossexual, pedindo para isso uma contribuição monetária mensal e entoando cânticos acompanhada de sua banda. Um cidadão presente nesse público tirou seu celular e começou a filmar o ensaio, o que não foi visto como problema pelo grupo num primeiro momento. Todavia, o homem, que se identificou como um professor do curso de Arquitetura, começou a gritar críticas ao grupo enquanto realizava a filmagem, virando a câmera para si e lançando críticas até mesmo ao curso de Teatro, condenando os atores por usarem um espaço público da cidade para realizar algo, segundo ele, errado. Inicialmente, houve revolta por parte do grupo, que chegou a iniciar uma discussão com o homem, questionando os argumentos do mesmo para censurar o ensaio. Mas, visto que ele fazia críticas com poucos fundamentos e apenas para provocar, os atores incorporaram a interferência à cena, cantando uma das músicas do espetáculo para ele. Vendo que seu jogo de exposição havia sido comprado, o homem desligou o celular e se retirou. Essa situação durante um ensaio incentivou o grupo a pensar sobre as inúmeras respostas do público diante do espetáculo, ocasionando a posterior realização de um exercício em que os próprios atores se colocavam no lugar da plateia, criando atitudes que pediriam improvisação.

 CONSIDERAÇÕES FINAIS
                    
           De acordo com André Carreira, reconhecer a imprevisibilidade significa aceitar a possibilidade, ainda que momentânea, de uma completa inversão de papéis sociais, e até mesmo da desorganização da ordem estabelecida (CARREIRA, 2010, p.5)9. A cidade vive um fluxo contínuo e intenso, com os pedestres se deslocando pelo espaço sem muitas vezes percebê-lo. Quando essa rotina costumeira é cortada pelos ensaios de um espetáculo de rua, o transeunte se vê como testemunha das ações, despertando seus princípios e formulando questões. Cabe a ele expor suas opiniões ao grupo ou seguir seu curso. Os momentos vivenciados pelo grupo durante os ensaios desenvolveram várias reverberações que foram posteriormente aplicadas no espetáculo. Trazer o espectador a cena, improvisar com ele e conhecer seus argumentos fortalecem as ideias.


9 CARREIRA, André. A cidade como dramaturgia do teatro "de invasão". Disponível em: pt.scribd.com/doc/40287815/andre-carreira-a-cidade-como-dramaturgia#scribd. Acessado em: 30/09/15



A RELAÇÃO DO CORPO E AS MATERIALIDADES DO ESPAÇO URBANO COMO POTENCIALIZADOR DA DRAMATICIDADE DA CENA

EDDER CARDOSO SABINO1 

Almejamos aqui refletir acerca da potencialização da dramaticidade do teatro contemporâneo no âmbito da rua, por meio da relação entre o corpo e a plasticidade dos espaços urbanos. Para fazê-lo tomaremos como foco a análise da encenação performativa “Deus é Fiel – Marca Registrada” criada pelo “Transeuntes: Grupo de Estudos em Performance”.
O grupo, inserido dentro do Projeto de Extensão “Urbanidades – Transeuntes”, ligado à UFSJ realiza diversas ações utilizando o espaço urbano da cidade e sua:
[...] pesquisa tem como principal objetivo investigar as propostas de estreitamento entre a cena contemporânea e o espectador transeunte nas ruas de São João Del-Rei, visando analisar a inserção do público como participante das ações performáticas [...] (GASPERI, 2015 )².

Desde 2012 o tema trabalhado é o consumismo e suas implicações nos usos e práticas da cidade. Na encenação performática citada acima explorou-se o eixo guarda-chuva sobre a perspectiva do extremismo religioso e os mecanismos utilizados para angariar lucros. Faz-se necessário aqui discorrermos brevemente sobre o conceito de encenação performativa. Sendo assim o grupo define um grande eixo temático denominado “eixo guarda-chuva”.
As apresentações em espaços públicos tensionam a todo o momento a possibilidade de interação com o espectador transeunte o que aproxima a ação do happening, mas “[...] justamente o que caracteriza a passagem do happening para a performance é o aumento de preparação em detrimento do improviso e da espontaneidade.” (COHEN, p.27, 1989)³; apesar de manter abertas as vias que exercitam a improvisação e o acaso durante a cena, o processo de sustentação da obra do grupo Transeuntes se dá por meio de um processo colaborativo para levantamento de material ligado aos desejos e pesquisas individuais de cada ator-performer. A partir disso acontecem ensaios coordenados que visam organizar as ações dos atores-performers bem como o uso dos espaços a serem utilizados para as apresentações. Em diferentes momentos da pesquisa podem-se observar diálogos entre obras e práticas de artistas contemporâneos.
Dessa forma a obra dialoga com o espetáculo “Deus é Fiel – Marca Registrada” na medida em que a dinâmica da cidade pode ser surpreendida pela presença dos atores-performers e suas ações .
Os espaços da cidade possuem usos e práticas definidos, em sua maioria atendendo a lógica de mercado e consumo. As ações do grupo Transeuntes ao utilizarem tais espaços, promovem situações que subvertem a lógica dos usos comuns fornecendo diferentes olhares sobre as práticas do tecido urbano. Ao realizar a inserção de uma cena num local estabelecido como passagem, como uma ponte, ou praça, as pessoas são colocadas diante da escolha de decodificar o acontecimento ou ignorá-lo. Escolhida a primeira opção, novos modos de ver esses locais são provocados e o lugar em questão é preenchido de novas significações assumindo um novo status: o de acolhedor do fazer artístico. Por meio dessa possibilidade pode-se criar caminhos que atribuam valor de dramaticidade na relação entre o corpo e as materialidades confrontadas.
Esse entrelaçamento da paisagem urbana com a presença dos atores-performers possibilita o exercício consciente de exprimir dramaticidade da relação entre o corpo e a plasticidade do espaço. Esse diálogo entre os elementos é apresentado como campo de trabalho e faz parte da proposta principal ao qual o grupo se propõe. Os atores-performers constroem um “quadro” com seus corpos e a partir desse esquema livre da fala, exprimem um texto que se sustenta não só pela dramaticidade do tema, mas pela presença e pela carga natural que essa presença evoca.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sendo assim consideramos ser o espaço, sua plasticidade e materialidades de importância crucial para potencializar quando em relação com o corpo dos atores-performers e essa relação como ferramenta potente para gerar energia dramática num contexto fluído de performatividade em que o acaso seja usado como possibilidade de enriquecimento da cena.



1 Edder Cardoso Sabino é bolsista voluntário do projeto Urbanidades – Transeuntes e graduando em Teatro pela Universidade Federal de São João Del Rei.2 GASPERI, Marcelo Eduardo Rocco de. Transeuntes - Grupo de Estudos em Performance e Teatro Performativo. Disponível em: <http://transeuntesperformance.blogspot.com.br/>. Acesso em: 30 de set. 2015.
3 COHEN, Renato. Performance como Linguagem. São Paulo: Perspectiva: Editora da Universidade de São Paulo, 1989.







http://www.ufsj.edu.br/casaaberta/programacao_completa.php

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