Bem Vindo!

TRANSEUNTES

Criado em abril de 2012, o grupo de pesquisa"Transeuntes: Estudos sobre performance e Teatro performativo" foi formado a partir da necessidade de artistas em ampliar os estudos sobre as intervenções performáticas nas ruas. Em parceria entre Professores e Alunos do Curso de Teatro (COTEA) da UFSJ (Universidade Federal de São João Del Rei), o projeto consiste, entre outros pontos, em estudos teóricos sobre determinados autores que abordam o teatro nas ruas e em experimentações práticas que visam inserir o espectador transeunte na construção dos processos criativos, a partir das temáticas referentes às abordagens atuais. A pesquisa tem como principal objetivo investigar as propostas de estreitamento entre a cena contemporânea e o espectador transeunte nas ruas de São João Del-Rei, visando analisar a inserção do público como participante das ações performáticas, na busca de:

(...) Utilizar o ambiente urbano de maneira diferente das prescrições implícitas no projeto de quem o determinou; enfim, de dar-lhe [espectador-cidadão] a possibilidade de não assimilar, mas de reagir ativamente ao ambiente. (ARGAN, 1998, p. 219)

Os membros atuais do grupo Transeuntes são:

Professores - Ines Linke e Marcelo Rocco.

Alunos - Débora Trierweiler; Diego Souza; Diogo Rezende; Fernanda Junqueira; Gabriela Ferreira; Guilherme Soares; Halina Cordeiro; Henrique Chagas; Isabela Francisconi; Kauê Rocha; Nathan Marçal; Paula Fonseca; Rick Ribeiro; Tatiane Talita.

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Um corpo nada pornográfico; um pornô nada soft – sobre a delicadeza e a simplicidade da violência

Um projeto de pesquisa tem como uma das principais funções aproximar as suas produções às outras pessoas da Universidade e da comunidade em seu entorno. O Transeuntes cumpre um papel importante na cena teatral acadêmica brasileira ao potencializar os trânsitos e as ocupações.  A escolha por ocupar o bosque do Campus Dom Bosco da UFSJ, à noite, foi fundamental para criação do espetáculo “Porn Soft”. O espaço efetivamente funcionou como motriz investigativa da cena. É desafiador para um grupo que se dispunha a criar espetáculos de rua se aventurar pelo bosque. O bosque não é deserto e nem estepe, não é floresta e nem pasto; é cultivado como pasto, mas guarda em si um devir-selvagem por não ser somente rasteiro ou estéril como os primeiros; por não ser totalmente selvagem e nem mantido para produtividade como os segundos; o bosque é o cultivo pronto para extrapolar as cercas, invadir a vizinhança como uma Hera Venenosa. É por contágio e ocupação que funciona o espetáculo.
Ao se lançarem pelo bosque do Dom Bosco, @s criadores potencializaram as possíveis relações sempre desejadas por um grupo de teatro que se põe em cena. O desafio de torna o espaço também parte da cena e não apenas local de apresentação. O espaço escolhido e o horário apresentado é potente para a produção do incômodo que se deseja. Tratam do tema, que podem ser tantos, como as violências que o feminino, o corpo feminino e os corpos desviantes da nossa sociedade sofrem.
Construções de alvenaria se misturam a buracos, plantas, matos, barro, flores, grilos, aranhas, corujas, vento, expectativa, água, frio... um bosque tem uma forma desejada pelo homem. Esta forma escorre em devir-selvagem da erva daninha, num devir-animal da formiga cortadeira da flor há muito cultivada, um devir-demolição das construções expostas ao ambiente.
Por isso, a escolha pela condução do público é acertada. O investimento numa iluminação precária produzida por lanternas que cintilavam entre folhas-aranhas-escadas-buracos... uma iluminação pela sedução, uma impossibilidade de coerção total do público – embora às vezes desejada pelxs artistas – um jogo de forças em cena, em ato, coisa de vida. Um ator social, uma sociedade que deseja controlar fluxos de corpos que ora se aprisionam, ora se libertam. Um corpo feminino-desviante do padrão Homem heterossexual violentado e por isso resistente; resistindo às investidas opressoras. Única saída da vida: resistir, resistir, resistir... às vezes sucumbir... Ah, mas se sobrevivemos, criamos ainda mais vida!
A escolha por pouco texto, produzido por uma linguagem verbal, funciona num espaço que tem tudo para dificultar a audição do blábláblá. Isso impôs uma necessidade de produção de uma linguagem não verbal potente com corpos que ora escorriam pelas formas, pelas folhas, pelos bambus, pelo chão... ora petrificavam com o frio, com os olhares, com as hesitações. Um texto corpo, um corpo constituído em ato, em cena, em composição com o espaço. A naturalidade dos corpos dxs artistxs em meio ao frio, à escuridão, aos possíveis animais e espinhos, compunha-se com o incômodo do público que mal sabia onde pisar, para onde ir, qual a próxima configuração do espaço, para onde olhar. A atualização do corpo sem órgãos de Antonin Artaud, um corpo com órgãos sem funções predefinidas; um corpo que é órgão sem funções predefinidas. A criação de um corpo com as conexões possíveis na imanência do acontecimento. A radicalização da criação que não se repete, pois o vento muda, o público também; um novo arranhão, o frio mais intenso. Como podemos nos entregar a esta criação plena de conexões mesmo em espaço fechados, controlados, teatrais? Eis uma questão posta. Aqui é solução: o espaço exigia novas criações, ininterruptas conexões. Os atores e atrizes arrasam, não por fazerem o que ninguém fez, mas por se entregarem ao que é urgente na arte do teatro. Lançam-se no desconhecido da criação, nem Grotowski, Stanislavski, Tchecov ou Augusto Boal tem a receita. Nem nós professores de teatro das universidades teatrais. Resta-nos arriscar sempre!
A escolha por trazer textos falados no início com um discurso cético, científico, estéril denuncia a violência que as instituições impõem aos corpos. Um sanitarismo adoecido, um desejo de explicação estéril e mortal. UM GRITO! AHHHHHHH (impossível de ser reproduzido graficamente, a impossibilidade da grafia de dar vazam à vociferação e, por isso, Teatro!). O monólogo da atriz é outro grito: a opressão social já não é apenas da forma Homem impondo-se à forma Mulher, mas uma forma Homem que impede os fluxos do devir-mulher, fazendo com que a mulher-vítima oprima com força igual. Os perigos do machismo que faz de suas vítimas potenciais algozes. “minha filha, não ponha um short tão curto. Depois não vá reclamar” – disse uma mãe. Vítimas duas vezes! O feitor que é também negro. O trabalho sujo feito pelos iguais. Um grito de horror que denuncia as atrocidades que somos capazes de cometer em nome de nossos desejos dos controles dos corpos, da fetichização da vida produzida por um grande empresário, por um médio artista ou por uma mídia medíocre. Um fascista que habita em nós! Sempre perigo! Quantas vidas são mortas em nome da forma ideal de arte?
A escolha de poucos elementos cênicos artificializados e de uma maquiagem mais pontual é também um ponto forte. Afinal, estamos num bosque que já possui muitas coisas. A pesquisa pelas transparências dos tecidos, pela leveza de algumas peças, pelas alusões ao clássico conto infantil ajuda na produção do incômodo. Um figurino com indicações simples (caso da capa vermelha) e sofisticadas (o lobo e suas pernas de pau) compondo com o espaço de vulnerabilidade. Corpos desnudos num ambiente quase hostil... quase. Um controle quase total. Uma permissão quase para tudo. Uma tensão que estamos produzindo e somos produção, num ambiente acadêmico que ora permite a problematização do corpo, ora impõe a moralidade da perseguição às cenas e performances com corpo nu, que quase sempre tem o corpo feminino ou o desviante do masculino como vítima. Em tempos de votações de projetos como Escola sem Partido e Ensino Religioso confessional; ou de ejaculações nos pescoços em ônibus; mulheres mortas por companheiros; exposições queer’s e atrizes transexuais censuradas, é urgente que o corpo seja mais e mais problematizado, tensionado dentro e fora da academia.
A pesquisa possui traços autorais do professor diretor o que não impede o fluxo de criação dos alunos. E neste caso, o melhor parâmetro são os próprios atores e atrizes alunxs. Este aspecto é ponto também importante na academia e um desafio para nós professores. Quando é que deixaremos de ser professores para que nossos alunos criem suas próprias pesquisas? Gilles Deleuze em Diferença e Repetição aponta que um pensador (artista, filósofo ou cientista) se torna quando ele toma posse de seus próprios problemas e não apenas quando responde aos problemas dos outros. O exercício da a-centralidade, da a-hierarquização e da a-significância não é modelo contra o que está imposto. Não se trata de se trocar um modelo por outro, mas de se lançar no exercício, na experimentação de outras relações. Isto o projeto dos pesquisadorxs atores e atrizes do Transeunte fazem, não como Ideal a ser alcançado. É exercício praticado com todas as dúvidas, incertezas, tropeços, incompreensões possíveis ao ato da Aprendizagem. O ato de aprender é um mistério, ninguém sabe como alguém aprende, disse também Deleuze. Mas sabemos quando a aprendizagem se dá. E se deu, em mim! Aprendi muito com vocês! Parabéns ao grupo Transeutes, ao Curso de Teatro da UFSJ que me acolheu durante um semestre, à Pró-Reitoria de Extensão por abrigarem competentíssimo trabalho. Que vocês ocupem bosques, estepes, florestas, desertos... ruas, universidades, escolas, festivais... Ocupação contra as opressões. Teatro pela vida. Viva!

Tarcisio Moreira Mendes
Ator, performer, vivente da arte
Professor substituto do Curso de Teatro UFSJ

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

O Jardim Secreto: impressões da peça Soft Porn


por Camille Gallo
Quando somos crianças, nos são contadas histórias boas e ruins em que mocinhos e vilões se fazem presentes. Antes de dormir, somos lembrados que há um mundo mágico lá fora e que podemos embarcar nele por meio dos sonhos. São pelas imagens e gravuras que nossa imaginação é alimentada, como um monstro faminto por fantasias que aos poucos vai se alimentando e crescendo, tornando-se um grande amigo que dorme embaixo da nossa cama todos os dias.
Diariamente nos são apresentados princesas e príncipes, lobos maus e bruxas, lugares encantados e bosques. Amor, paixão, perigos e armadilhas. Somos rodeados por tais palavras que compõem nossa vida em nossa doce criancice.
Mas, então, começamos a crescer e aquele lugar que nos era tão seguro e familiar começa a se afastar de nós. Os castelos já não mais parecem tão altos, os bosques não tão mais perigosos. O mundo encantado já não nos parece mais encantado. Para onde foram todos?
Tudo parece perdido. Morto. Sem ninguém. Então percebemos que o mundo não está errado, mas nós sim. Estamos crescendo, a fantasia aos poucos é trocada pela realidade. O mundo real cada vez mais se toma o espaço de nosso coração jovem. Os deveres nos obrigam a seguir em frente, mesmo não sendo aquilo que havíamos imaginado.
Nosso coração parece um grande espaço árido e seco. Nada é plantado nele, nenhum animal vive, não há nenhuma vida. O mundo fica sombrio e aquele lugar tão lindo e vívido já não mais existe. As sombras começam a se fazer presentes, o bosque antes verde agora não mais existe, tornou-se uma fina camada de poeira sombria e negra.
Olhos vermelhos. Mantas escuras. Plantas secas. Princesas perdidas. Príncipes ocultos. E então estamos em um novo mundo, onde nossas doces e inocentes fantasias são trocadas pelos sentimentos ocultos e violentos. Não há dia, somente noite. Não há alegria, amor nem carinho. Só há a mais pura escuridão, com seus grandes monstros e princesas esquecidas. Só há o resto!
Tudo entra em conflito. Os monstros começam a perseguir as princesas, que desesperadas fogem à procura de alguma salvação. O solo não é firme, ao contrário, se abre e engole qualquer esperança. Tudo parece errado, sem sentido. A noite se faz fria e sombria. Não há animais, somente o mais puro instinto de sobrevivência. Não há mais humanos, pois estes se tornaram monstros. Não há mais nada!
O mundo começa a girar. As cenas a se repetir. Escuridão, violência, sangue, princesas fugindo, monstros perseguindo, animais inexistentes, solos resistentes, bosque sombrio, morte, solidão.
Tudo para. Não há mais nada!
E então o jovem coração começa a renascer. Do solo sombrio sem vida, as primeiras plantas nascem. Animais começam a surgir e os lagos a se encher. A noite se vai e em seu lugar um céu é preenchido. O vento bate, a música toca. As princesas voltam à sua inocência e beleza. Os monstros dão lugar a príncipes e sonhos. Tudo volta ao normal.
O mundo está de volta!
Soft Porn
O espetáculo Soft Porn, do grupo Transeuntes, dirigido por Marcelo Rocco, revisita clássicos da literatura infantil, trazendo o medo e o terror como mote da montagem. Isso tudo num cenário não muito usual na prática do teatro: o bosque do Campus Dom Bosco. As apresentações mais recentes aconteceram às 23h45 dos dias 31 de agosto e 1º de setembro.
Todas as sextas-feiras, a page da UFSJ traz o Comunica Extensão, com novidades sobre as ações extensionistas da nossa Universidade.