Os encontros oficiais do ““Transeuntes
– Grupo de Estudos em Performance” acontecem sempre ás quintas-feiras. Ensaios
extras, reuniões de produção e extraordinárias são marcadas a partir das
demandas. Este foi o caso da discussão teórica ocorrida na última
segunda-feira.
O
trabalho de pesquisa do grupo é pautado tanto nas experimentações práticas
quanto nas leituras dos referenciais teóricos, e na relaçãos dessas duas
frentes. E ultimamente identificou-se uma necessidade, na maioria dos
integrantes, em levantar reflexões a partir das leituras condizentes com os
interesses do grupo. Entre os textos escolhidos privilegiou-se àqueles que de
algum modo dialogam com os pensamentos do grupo sobre a performance e a cena
contemporânea e os que podem contribuir com os eixos temáticos deste ano. Os
livros e artigos foram divididos entre os pesquisadores que deveriam ler e
levantar questões a partir de suas leituras. As plataformas para as
apresentações eram livres. Nas falas de vinte minutos podia-se criar
apresentações tipo “Power Point” ou até mesmo apontar considerações baseando-se
em uma escrita. Assim o fez Ines Linke,
que dividiu com Marcelo Rocco as impressões sobre o livro Invenção do Cotidiano de Michel de Certeau.
Entre os apontamentos da professora
estão o modo como o autor relativiza a noção de verdade oferecendo a ideia de
pluralidade do real. E de que forma é possível inventar o cotidiano a partir do
nosso fazer. Para Ines o historiador valoriza as manualidades, criatividade e
inteligência das pessoas comuns reforçando a lógica da micro existência de onde
pode-se questionar os saberes hierarquizados dando espaço para os saberes
comuns e cotidianos que podem favorecer o que ele chama de arte sutil. A fala
de Marcelo Rocco também questiona os lugares de poder.
Tendo em base a segunda parte do
livro, que já fora estudado para sua tese de mestrado, Marcelo apontou para as
críticas do francês sobre como quem produzia passou apenas a consumir e lembrou
que o autor considerava a televisão perigosa já que alimenta essa máxima. Lembrou,
citando uma cena do filme Cronicamente
Inviável de Sérgio Bianchi, que só é possível pensar os lugares de poder
por que queremos estar no lugar daqueles que dominam. Rocco reforçou que para
Michel o poder só existe porque existe também esta relação “entre” as partes
envolvidas.
Sabrina Mendes, Iolanda de Lourdes e
Lucimélia Romão dividiram a leitura de A
Sociedade do Espetáculo de Guy Debord. Esta última trouxe uma leitura de
Patrice Pavis que ajudou a diferenciar o uso da palavra espetáculo no livro
para seu uso no teatro. Iolanda comentou sobre como a sociedade criticada por
Debord valoriza o “ter” em detrimento do “ser”. Para ele o que “aparece” é “bom”
e o que é “bom” não “aparece”. Discorreu sobre a inacessibilidade dos modelos e
padrões propostos e alertou sobre uma possível “proletarização” do mundo. Sabrina
trouxe suas impressões sobre a realidade inexistente fora do espetáculo e
mostrou vídeos que exemplificavam sua fala. Foram apontada nesta apresentação a
necessidade de maior contextualização das leituras e exemplos.
Júnio de Carvalho, Camélia Amada
Guedez e Rick Ribeiro leram um capitulo de O
Teatro Pós-dramático de Hans-Thies Lehmann que fala sobre a performance. A
apresentação foi feita pelos dois primeiros já que Rick Ribeiro se atrasou.
Eles falaram sobre como na performance valoriza-se o processo, as possibilidades
de utilização do corpo e a presença. Falaram ainda sobre como o público dá
significado ao que está vendo e como esta linguagem aborda uma estética
integrativa de um vivente.
Eu, Luís Firmato, trouxe minhas impressões sobre
a leitura de Renato Cohen em seu Performance
como Linguagem: Criação de um Tempo-Espaço de Experimentação. Nele o
intuito do autor “[...] é o de analisar a chamada ‘arte da performance’,
estabelecendo suas relações com o teatro e outras artes (COHEN, 1989, p.25).” Para
fazê-lo Cohen primeira estabelece uma lista de conceitos sobre a performance.
Entre eles figuram o fato de ser uma expressão cênica, a relação entre espaço e
tempo. Sua hibridez e por conter em si um atuante, um texto e o público. Faz um
apanhado sobre as possíveis raízes da performance e discorre sobre a linguagem
e suas características. Entre elas o fato de não se estruturar numa forma aristotélica, seu caráter multifragmentada,
a ruptura com a representação o uso de espaços não habitualmente utilizáveis e
a crítica á arte instituída. Reforcei a necessidade de lermos o texto com
grande atenção já que algumas considerações podem ser datadas. Ines apontou
sobre o risco das definições e rotulações construídas no texto até em forma de
tabelas, porém como bem disse Marcelo Rocco fatos que não tiram a importância da
obra, primeiro texto a traçar o caminho da performance no Brasil.
Sebastian Júnior e Pedro Mendonça leram
textos diferentes de Josette Ferrál. O primeiro falou sobre o artigo Por uma poética da performatividade: o
teatro performativo. Ele foi alertado sobre o perigo de estabelecer uma
relação entre a “quebra” Brechtiana e a performance já que nesta última não
existe quebra pela ausência de um discurso aristotélico. Falou-se sobre a importância
do processo e de que modo ele reflete no produto. Fomos convidados pela
professora Ines em seus comentários a não racionalizar tudo quando em processo
de criação.
Pedro traduziu do inglês um texto da autora
publicado no livro Archaeologies of
Presence – Art, Performance and the Persistence of Being ainda não lançado no país. Nele a autora
discorre sobre as diferentes instâncias da presença. Pedro utilizou exemplos
com um integrante para falar da presença que para a autora vai além da
puramente física.
Matheus Correa trouxe alguns apontamentos
sobre o a Encenação Performativa de
Antônio Araújo.
Logo após as apresentações aconteceu uma
discussão e foram feitos comentários sobre os textos e as interpretações do
pesquisadores. Marcelo reforçou a necessidade de lermos todos os textos e Ines
sobre mantermos o modelo de experimentações que antecedem a leitura teórica.
Foi unânime o reconhecimento dos benefícios da imersão e acordou-se que ela
deve se tornar uma prática pelo menos bimestral.
Luís Lebre
Referência Bibliográficas
CERTEAU,
Michel de. A Invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes,1994.
COHEN,
Renato. Performance como linguagem: criação de um tempo-espaço de experimentação.
São Paulo: Editora Perspectiva, 1989.
DEBORD,
Guy. A Sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro, Contraponto, 1997.
FÉRAL,
Josette. Por uma poética da performatividade: o teatro performativo. In: Sala
Preta Revista de Artes Cênicas, n. 8, ECA/USP, p. 197-209. São Paulo: PPG Artes
Cênicas – ECA/USP, 2008.
FÉRAL, Josette. Chapter 2: How To Define Presence Effects GIANNACHI, Gabriella, Org. Archaeologies of Presence – Art, Performance
and the Persistence of Being. Routledge, 2012.
LEHMANN,
Hans-Thies. Teatro pós-dramático. Tradução de Pedro Süssekind. São Paulo: Cosac
Naify, 2007. 440 p.