Bem Vindo!

TRANSEUNTES

Criado em abril de 2012, o grupo de pesquisa"Transeuntes: Estudos sobre performance e Teatro performativo" foi formado a partir da necessidade de artistas em ampliar os estudos sobre as intervenções performáticas nas ruas. Em parceria entre Professores e Alunos do Curso de Teatro (COTEA) da UFSJ (Universidade Federal de São João Del Rei), o projeto consiste, entre outros pontos, em estudos teóricos sobre determinados autores que abordam o teatro nas ruas e em experimentações práticas que visam inserir o espectador transeunte na construção dos processos criativos, a partir das temáticas referentes às abordagens atuais. A pesquisa tem como principal objetivo investigar as propostas de estreitamento entre a cena contemporânea e o espectador transeunte nas ruas de São João Del-Rei, visando analisar a inserção do público como participante das ações performáticas, na busca de:

(...) Utilizar o ambiente urbano de maneira diferente das prescrições implícitas no projeto de quem o determinou; enfim, de dar-lhe [espectador-cidadão] a possibilidade de não assimilar, mas de reagir ativamente ao ambiente. (ARGAN, 1998, p. 219)

Os membros atuais do grupo Transeuntes são:

Professores - Ines Linke e Marcelo Rocco.

Alunos - Débora Trierweiler; Diego Souza; Diogo Rezende; Fernanda Junqueira; Gabriela Ferreira; Guilherme Soares; Halina Cordeiro; Henrique Chagas; Isabela Francisconi; Kauê Rocha; Nathan Marçal; Paula Fonseca; Rick Ribeiro; Tatiane Talita.

domingo, 3 de abril de 2016

URBANIDADES INTERVENÇÕES: XII SEMEX - UFSJ - 2014

URBANIDADES: INTERVENÇÕES URBANAS[1]

Marcelo Eduardo Rocco de Gasperi[2]; 
Ines Karen Linke[3];
Iolanda de Lourdes de Santos Tomé[4] 
Luis Carlos Firmato Silva Lebre[5].

Curso de Teatro
Departamento de Letras, Artes e Cultura

Resumo: O projeto de extensão “Urbanidades: Intervenções” nasceu em 2012 através do diálogo entre os professores Ines Karin Linke Ferreira e Marcelo Eduardo Rocco de Gasperi do Curso de Teatro- COTEA (UFSJ), e se fundamenta em ações desenvolvidas anteriormente por ambos. Em primeira instância, o projeto partiu da realidade cotidiana e da memória pessoal de moradores da cidade e demais participantes para criar um repertório de materiais e pontos de partidas para as ações artísticas. Foram realizadas experiências de imersão através de intervenções performáticas por parte dos estudantes, bolsistas e voluntários que entraram em contato direto com os transeuntes, moradores, nosso público alvo neste projeto. Tais trabalhos foram construídos pelo projeto de extensão em parceria com o grupo de pesquisa “Transeuntes- Estudos sobre performance”, da mesma coautoria.

Palavras-Chaves: Intervenções urbanas; Espectador transeunte; Cidade; Espaço público.

INTRODUÇÃO
A noção de “cotidiano” está diretamente atrelada a uma infinidade de ações diárias, entendidas como práticas comunicativas que se organizam em um amplo movimento de conservação ou de mudança de aspectos da sociedade, permitindo assim, sucessivos acontecimentos da vida social. Pode-se dizer que o cotidiano é constituído por múltiplas experiências que ocasionam transformações tanto em aspectos locais, quanto em escala global (GIDDENS, 1995).
Sendo assim, o cotidiano abrange as rotinas diárias das sociedades, as diferentes formas de convívios entre os cidadãos, e novas relações sociais, cujos resultados podem ser mudanças e adaptações à vida na comunidade (BRETAS, 2006). Deste modo, o cotidiano, associado às experiências entre os seres, reveste-se de tradições, deslocamentos, rupturas, compreendendo em si os saberes ordinários, necessários à sobrevivência, como também as produções intelectuais (CERTEAU, 1994).
Neste aspecto, a vida cotidiana se configura na interação com o outro, nas diversas formas de representações culturais, advindas das experiências dos participantes dos processos comunicacionais. As práticas do cotidiano fazem, também, emergir as funções normativas da sociedade, possibilitando certo equilíbrio nos laços sociais. Com isto, o cotidiano passa a ser atravessado por instituições (religiosas, legais, familiares, etc.) consideradas agências reguladoras que estabelecem as relações de controle com a comunidade. Tais instituições influenciam os hábitos sociais, os comportamentos individuais, as práticas de comunicação. Estes aspectos de conservação, de restrição e de cooperação dos aprendizados cotidianos, garantem certo equilíbrio e atuam na tentativa de controle na dinâmica da vida social.
No contexto do cotidiano, pode-se dizer que a rua, dentro da ótica da sociedade burguesa, foi criada, inicialmente, para viabilizar a circulação dos cidadãos entre diferentes partes da cidade, mas, devido ao crescimento da urbe, ela foi contraindo inúmeras outras funções (CARREIRA, 2007). A rua, juntamente com os demais espaços públicos, tais como as praças, passou a ser vista como local de encontros e manifestações de grupos, propiciando diálogos, embates, e até momentos de lazer. Ou seja, a rua tornou-se um território vivo dentro do eixo urbano, repleta de tensões e vontades por parte dos sujeitos que passam por ela, resultando diferentes formas de utilização e compreensão de seu uso contínuo. Como eixo de passagem dos transeuntes, a rua e os espaços públicos podem ser vistos também como passarelas de identidades, reflexão e energias compartilhadas, testemunhando diferentes formas de vida. No entanto, o capitalismo contemporâneo tende a diminuir o poder investido à rua, sobretudo nos grandes eixos urbanos, deixando-a apenas como mero lugar de deslocamento dos cidadãos, ou pior, dando a ela o caráter estritamente comercial de compra e venda de produtos, bem como, de circulação do trabalhador no sentido casa-trabalho, e vice-versa. Com isto, a rua que, no início da sociedade burguesa, assumia, entre outras funções, um meio de encontro, hoje se vê, muitas vezes, reduzida à mercadoria, redimensionando o cidadão às funções de trabalhador e de consumidor, não restando assim, muitos espaços que escapem às leis do mercado (DEBORD, 1997).
No que concerne às cidades, sobretudo as grandes metrópoles, os espaços públicos vêm se transformando em locais cada vez mais monitorados, assépticos, para que não haja grandes interferências que possam corromper o fluxo da mercadoria, bem como, a manutenção da cultura hegemônica. Esta tentativa de controle de utilização dos espaços cotidianos entra em constante colisão com os desejos dos cidadãos que visam escapar, apropriar e desmembrar ordens prévias do sistema hierárquico, provocando simultâneas tensões, disputas e manifestações que desafiam certos discursos estratificados de poder. Tal inconformismo perante a institucionalização do uso da rua e demais espaços públicos, que visa definir “quem” e “quando” usar tais locais, gera em parte dos cidadãos, o anseio de preencher tais espaços com ações alheias ao ritmo usual da cidade. A partir de diversas formas de ocupações e mantendo a liberdade de uso da rua como ideário político, muitos grupos sociais se movimentam na contramão da lógica predominante, criando alternativas para consumir a cidade.
Misturadas entre as várias possibilidades de manifestações públicas, as intervenções urbanas têm ganhado, ao longo das últimas décadas, grande destaque entre os grupos sociais. Sobre as diferentes noções de intervenções urbanas, pode-se associá-las aos estados de rupturas do cotidiano, desconstruindo certas formas dos espaços já sedimentados das grandes construções. Espaços estes que o poder do capital proporciona. Sendo assim, as intervenções podem provocar o cerceamento de certos padrões para aparecer novas formas de inter-relação entre os seres e a cidade (CARREIRA in CARREIRA et. al., 2004). Logo, elas são capazes de alterar as linhas que definem as cidades, exigindo um novo olhar dos cidadãos sobre as mesmas, nem que seja um olhar fragmentado, efêmero. Desta maneira, entende-se que as ruas das cidades passam a ser vistas como estruturas arquitetônicas de intenso convívio. Dentre várias possibilidades de manifestações públicas na cidade, podem-se ressaltar as intervenções urbanas que possuem como eixo central o cunho artístico, estetizador, unindo arte, política e ativismo em intervenções realizadas em espaços não destinados, necessariamente, para a mobilidade artística.  A respeito de tais aspectos, pode-se pensar o cotidiano como potência para diferentes discursos artísticos, cujos desdobramentos permitem provocar pequenas rupturas nas convenções diárias, modificando certas visões mecanizadas sobre a urbe.
O COTIDIANO E OS DISCURSOS DA CIDADE
Na contemporaneidade, o cotidiano das cidades está entrelaçado por diversas narrativas transmitidas como resultados das interações entre as pessoas. Os efeitos de tais interações interferem diretamente na produção do conhecimento e nas transformações sociais. No dia-a-dia, os fragmentos que compõem o tecido da memória são gerados pelo encadeamento dos discursos da cidade, em suas diversas esferas. Walter Benjamin (1994) descreve que a experiência de narrar é uma forma artesanal de comunicação, partindo das experiências pessoais do narrador. Partindo desta premissa, pode-se dizer que as narrativas circulam entre os grupos e redes sociais, ressignificando o cotidiano através das contextualizações dadas pelos seres que se comunicam. Como compreende Mikhail Bakhtin (1993), as narrativas são dialógicas, permeadas por fragmentos de discursos que articulam falas sociais em sintonia ou em contradição, sendo reconstruídas a partir de diferentes posicionamentos. Com isto, pensar o cotidiano como lócus de discursos contrários, de enfrentamento e de fricção de ideias, possibilita entendê-lo como um palco privilegiado de experiências com sentido renovado, em que o tempo presente acolhe o saber multicultural e multifacetado.
Inserido neste contexto, o projeto Urbanidades (UFSJ- Teatro) visa estreitar os laços entre a Universidade e a comunidade local, tornando as atividades e o conhecimento, produzidos dentro do Curso de Graduação em Teatro, acessíveis e em comunicação com a população. Sendo assim, o projeto de extensão “Urbanidades: Intervenções” é uma concepção de artes que visa a atuar no contexto ampliado da cidade e trabalhar as instâncias de percepção, discussão e divulgação de aspectos sociais e políticos de diferentes espaços de São João del-Rei por meio de intervenções artísticas, desenvolvidas através de uma abordagem participativa e interdisciplinar.
“Urbanidades: Intervenções” nasceu em 2012 através de um diálogo entre os professores Ines Karin Linke Ferreira e Marcelo Eduardo Rocco de Gasperi do Curso de Teatro- COTEA (UFSJ), e se fundamenta em projetos e ações desenvolvidos anteriormente por ambos, na continuação do projeto de extensão, iniciado em 2013. Em primeira instância, o projeto partiu da realidade cotidiana e da memória pessoal de moradores da cidade e demais participantes para criar um repertório de materiais e pontos de partidas para as ações. Foram realizadas experiências de imersão através de intervenções performáticas por parte dos estudantes, bolsistas e voluntários que entraram em contato direto com os transeuntes, moradores, nosso público alvo neste projeto. Tais trabalhos foram construídos pelo projeto de extensão em parceria com o grupo de pesquisa Transeuntes- Estudos sobre performance, da mesma autoria.
Nesta vontade de “troca”, foram criadas, em segunda instância, interações entre atividades cotidianas e ações culturais, uso e espaço, universidade e cidade, periferia e centro, entre outras, por meio de encontros e intervenções nas ruas da cidade, desenvolvendo intervenções urbanas e ações artísticas com alunos, bolsistas, voluntários e moradores.
Tais intervenções geraram o eixo temático que norteou o projeto: Consumo, consumismo e cidadania. Tal temática estabeleceu as novas ações do projeto, derivadas a partir das paisagens, objetos, arquiteturas, espaços, monumentos e costumes da cidade de São João del-Rei, tanto em partes históricas como em lugares considerados “não históricos” pelos moradores.
Nesses lugares simbólicos foram criadas, através de materiais de circulação e produção de práticas, diferentes formas de apreensão do cotidiano da cidade, particularmente, no campo da percepção estética, e da recepção das obras.
Com isto, as intervenções artísticas realizadas ao longo de 2013 gerou um produto considerado pelos autores do projeto como uma “Encenação Performativa” que nada mais é que uma apresentação cênica nas ruas e em espaços públicos, composta por experiências acerca do Consumo, consumismo e Cidadania, cuja linguagem norteadora é a Performance Art. Uma obra aberta que visa a participação do público, composto, em sua maior parte, por moradores da cidade.
METODOLOGIA
As narrativas cotidianas compõem um conjunto de experiências que se agrupam ou se distinguem, possibilitando a formação de diferentes ideologias, em um fluxo ininterrupto de vida (CERTEAU, 1994). Esta complexidade de discursos articula processos de construção de identidades distintas, abalando convenções vigentes e estruturando novos laços de socialização. Tais laços constroem no indivíduo diferentes perspectivas, confiança nas relações, novos pontos-de-vista e demais elementos constituintes da identidade, que, por conseguinte, tem um caráter processual, dado ao longo dos esforços de construção autônoma (HALL, 1996). Então, como pensar em narrativas artísticas dialogando com as narrativas das ruas, criando possibilidades de novos discursos a partir do confronto entre a obra e o espectador transeunte? As intersecções potencializam os posicionamentos dos seres no mundo, gerando consciência sobre os processos sociais. A ocupação de espaços públicos e a interrupção do fluxo cotidiano questionam e pontuam questões sociais, na busca da “participação [do espectador] como auto-experiência e auto-reflexão” (LEHMANN, 2007, p. 171). Sendo assim, a metodologia de trabalho tem sua base no campo da investigação teatral compartilhada, tendo a coautoria entre os diversos criadores (estudantes, moradores, atores), em parceria com um grupo de pesquisa chamado Transeuntes. 
Criado em abril de 2012, inserido no âmbito do projeto de extensão Urbanidades, o grupo de pesquisa "Transeuntes: Estudos sobre performance" foi formado a partir da necessidade de artistas em ampliar os estudos sobre as intervenções performáticas nas ruas. Em parceria entre Professores e Alunos do Curso de Teatro (COTEA) da UFSJ (Universidade Federal de São João Del Rei), o projeto consiste, entre outros pontos, em estudos teóricos sobre determinados autores que abordam o teatro nas ruas e em experimentações práticas que visam inserir o espectador transeunte na construção dos processos criativos, a partir das temáticas referentes às abordagens atuais. A pesquisa tem como principal objetivo investigar as propostas de estreitamento entre a cena contemporânea e o espectador transeunte nas ruas de São João Del-Rei, visando analisar a inserção do público como participante das ações performáticas.
Neste sentido, o projeto consiste em experimentações cênicas-performáticas que insiram o espectador transeunte na construção dos processos criativos, a partir das temáticas referentes às abordagens atuais.
DESENVOLVIMENTO
Urbanidades desenvolveu intervenções e outras experiências a partir de materiais coletados no cotidiano da cidade. Destacamos as seguintes ações: CAMINHADAS. Percursos em diferentes bairros das cidades, inspirados na deriva, a prática situacionista de criar percursos para apreender os ambientes. As caminhadas foram motivadas pela necessidade e pelo desejo de “praticar a cidade” visando criar uma experiência coletiva ligando interesses dos participantes nas discussões e compartilhando as práticas e os treinamentos em espaço público.
EXPERIMENTAÇÕES. A partir dos vestígios ao longo do córrego do Lenheiro criamos um roteiro ficcional de um assassinato. Queremos desenvolver a ação em um jogo/espetáculo no qual o publico investiga os motivos do crime a partir das diferentes perspectivas (vítima, assassino e testemunhas).
MERCADO DE TROCAS. Discutindo o valor de troca e uso. Fomos à feira de domingo de Matozinhos para vender produtos, objetos de uso e serviços. Interagimos com as pessoas que estavam dispostas a fazer uma grande variedade de negócios.
CASA: LIMITES DO CORPO. A partir da ideia da "Caminhada Performática" realizamos uma ocupação aberta ao publico em geral, dentro da lógica de ações intervencionistas, realizando construções temporárias e criando corpo-instalações.
ENCENAÇÃO MORRA! Sob as perspectivas da tragédia, consumismo e sensacionalismo, o espetáculo aborda a morte violenta de uma adolescente e o quanto a sociedade tenta lucrar com o evento, desde a representação sensacionalista nos veículos de comunicação aos comerciantes que vendem camisas com fotos da garota. A peça tem o objetivo de criticar a lógica do capitalismo e sua busca desenfreada pelo lucro, em que a morte vem se destacando como gerador de renda.

ESTUDO DE CASO: “MORRA!” - UM DOS EIXOS CENTRAIS DO PROJETO “URBANIDADES” DE 2013
Descrição do procedimento: Partindo do conto “Rremembranças da menina de rua morta e nua” de Valêncio Xavier[6], o procedimento consistiu em uma exposição de fotos de uma suposta menina que fora violentamente espancada e morta, enquanto seus objetos pessoais eram leiloados por um performer aos passantes nas ruas. O espectador poderia tirar fotos ao lado da menina morta, levando para casa um souvenir da mesma. Uma performer colocava seu corpo seminu ao chão, estendido ao lado de uma placa com os dizeres “estive com a menina morta e me lembrei de você”.
Diálogo com o público: o procedimento performático “A menina morta e nua”, construído em 2013 pelo grupo de estudos “Transeuntes” (UFSJ) no projeto Urbanidades, teve como eixos temáticos o sensacionalismo, o consumo e a tragédia, linhas cujos princípios são definidos pelo capitalismo contemporâneo que engloba as relações humanas sob o aspecto da mercadoria. “Transeuntes” se baseou em um conto chamado “Rremembranças da menina de rua morta e nua” (2006) de Valêncio Xavier, que traz em sua trama a história de uma tragédia anunciada: uma menina de rua que foi estuprada e morta em um trem-fantasma no interior de São Paulo. Mesclando ficção e realidade, Xavier revela o lucro imediato que a morte da menina traz aos jornais televisivos, aos comerciantes que vendem souvenires da menina, entre outros artefatos. Assim, a notícia de tal tragédia é consumida insistentemente pelos espectadores. Usando tal conto como base prévia da pesquisa cênica, o grupo “Transeuntes” criou uma ação em espaços públicos de São João del Rei (MG), cuja estruturação busca elementos próprios da performatividade para a concepção deste trabalho.
          O cidadão sanjoanense, enquanto transitava pelas ruas centrais da cidade descrita, se deparava com diversas fotos da “menina morta”, cujos anúncios nos jornais criados pelo grupo “Transeuntes”, visavam confundir o espectador sobre a veracidade do fato. A ação transcorria em frente ao Largo do Carmo, um espaço de intenso movimento na cidade. Um performer[7] narrava a suposta morte da menina, que fora espancada e estuprada naquela cidade. Posteriormente à narrativa, o mesmo performer leiloava os objetos pessoais da menina para lucrar sobre tal acontecimento. Em seus objetos de venda havia uma aparente patente criada: uma marca, cujo nome era “menina morta”, com todo o layout destinado a uma marca registrada de produtos postos em prateleiras. Os produtos eram variados: copos com fotos da menina morta, camisetas contendo fotos da menina com os dizeres “saudades de você”, objetos “pessoais” da menina, brincos, cremes de rejuvenescimento com o rosto da menina estampado no pote, etc. O espectador poderia ter tais produtos, levando para a casa um souvenir que lembrasse aquela dor, que remetesse à menina.
          Tal procedimento objetivou estabelecer um paralelo entre a ilusão e a realidade. Este entrecruzamento foi feito para se pensar sobre como a tragédia cotidiana das cidades pode ser estetizada diariamente pelas redes sensacionalistas, fazendo o espectador consumir diariamente a morte violenta entre outros acontecimentos, cujas esferas do lucro imediato são o mote para mover a engrenagem da notícia. Desta forma, o objeto de lucro era a própria menina morta, cuja humanidade se esvaía para que todos pudessem consumi-la na forma de mercadoria.
          A notícia de tal morte era manipulada pelo performer que ora demonstrava tristeza com o acontecimento e ora necessita vender a marca registrada gerada pelo tal fato, pois sem tal tragédia a venda dos produtos não aconteceria. A fronteira entre o real e ficcional se diluía ainda mais quando um performer[8] doava jornais cuja primeira página estampava o rosto da menina morta, noticiando tal fato. Os espectadores ora acreditavam na notícia, ora duvidavam, tentando adivinhar se aquele acontecimento advinha da teatralidade ou do âmbito real.  Tendo uma pesquisa sobre a ótica sensacionalista, “Transeuntes” visava mostrar que o real poderia ser colocado na ótica da ficção, e também que a ficção poderia também ser montada como realidade, em um jogo de encobrimento da verdade para o detrimento da verdade em si. A ideia de propor um fio condutor pautado na tragédia fez o espectador querer participar da ação, comprando souvenires da menina, deixando o performer realizar demonstrações gratuitas sobre as potências dos produtos, entre outras ações.
          Neste aspecto, a morte violenta da menina mostra como todos podem consumir e lucrar sobre tal acontecimento. Desde os repórteres sensacionalistas até os representantes comerciais com seus stands de vendas contendo fotos, camisetas e pôsteres da menina. A morte torna-se, então, um “espetáculo” no sentido debordiano da palavra, cujos desdobramentos operam diretamente ligados aos conceitos operativos de poder, do dinheiro, totalmente vinculados ao controle do capitalismo contemporâneo.
          Enquanto a venda dos produtos era aquecida pela ação dos performers frente ao público, outra performer[9] expunha seu corpo ao chão, cobrindo-o com jornais, atraindo os transeuntes para seu local de ação. Outro performer[10] do grupo se aproximava, deixando uma placa com os dizeres: “estive com a menina morta e me lembrei de você”, oferecendo ao público a possibilidade deste em tirar uma foto ao lado da menina. A ideia era mostrar uma obra aberta em que o espectador pudesse se aproximar, fazer uma pose ao lado da menina e receber, posteriormente, em sua casa ou por e-mail, tal foto como outro souvenir. O campo desta ação se mostrava disponível à contribuição do passante, fazendo com que o espectador pudesse ser colaborador da obra, agindo sobre a mesma com seu corpo, saindo da mera contemplação.
          Com isto, a frágil “menina” se tornou o fio condutor das ações do grupo “Transeuntes” neste espaço em que espectador e artista configuraram uma troca, um diálogo acerca da obra, em que o procedimento artístico era contaminado pelas impressões do espectador, dando um caráter de uma ação que não se encerra em si, mas que necessita do outro para dar continuidade à discussão. Com isto, “Transeuntes” revelava a frágil vida noticiada incessantemente pelos meios de comunicação, mostrando que todos nós podemos retirar um pedaço daquele corpo, deixando esvair sua potência de vida para ser apenas mais uma memória, mas um número noticiado em uma narrativa cotidiana de tragédia. Tal procedimento artístico objetivou mostrar como a morte pode ser noticiada constantemente até se tornar uma tragédia do outro, apenas alheia, na qual eu não tenho qualquer relação.
CONCLUSÃO
          Pensando acerca da lógica de tradição e mudança do cotidiano das cidades, “URBANIDADES” busca diferentes níveis de participação do espectador como condutor das ações artísticas realizadas na cidade de São João del-Rei (MG) e em outras cidades que o projeto se apresenta[11]. A ideia é construir diversos contornos sobre a cidade, diferentes formas de vê-la, objetivando ocasionar pequenas rupturas no movimento cotidiano, abrindo ligeiras frestas sobre o olhar, sobre a cidade. Os discursos hierárquicos da sociedade contemporânea, muitas vezes pautados na lógica de fluxo de mercadoria, são diluídos, mesmo que momentaneamente, a partir dos traços, das forças artísticas efêmeras que colidem sobre as noções sedimentadas de cidade. Cabe ao cidadão, que caminha pelas ruas e por espaços públicos, decidir por agir juntamente à obra artística ou não ser alterado por ela. Neste aspecto, ao ser interrompido por uma ação, o transeunte pode continuar sua caminhada na condição inicial em que se encontra ou se apropriar da mesma, trazendo seu corpo à obra para que este modifique também o ritmo habitual da cidade.
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
BENJAMIN, Walter.  Obras escolhidas. Magia e técnica, arte e política (7ª ed.). São Paulo: Brasiliense, 1994.
BRETAS, Beatriz. Interações cotidianas. In: GUIMARÃES, Cesar; FRANÇA, Vera (Orgs.). Na Mídia, na Rua: Narrativas do Cotidiano. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2006. (p. 29-42).
CARREIRA, André. Teatro de Rua - Brasil e Argentina nos anos 1980: Uma paixão no asfalto. São Paulo: Aderaldo e Rothscild Editores, 2007.
______. Teatro de invasão: redefinindo a ordem da cidade. In: LIMA, Evelyn Furquim Werneck (Org.) Espaço e Teatrodo edifício teatral à cidade como palco. Rio de Janeiro: Sete Letras, 2008. p.67-78.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994.
DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
DESGRANGES, Flávio. A pedagogia do espectador. São Paulo: Hucitec, 2003.
BECK, Ulrich; GIDDENS, Anthony; LASH, Scott. Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social modernaSão Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista (UNESP), 1995.
FÉRAL, Josette. Por uma poética da performatividade: o teatro performativo. In: Sala Preta Revista de Artes Cênicas, n. 8, ECA/USP, p. 197-209. São Paulo: PPG Artes Cênicas – ECA/USP, 2008.
LEHMANN, Hans-Thies. Teatro pós-dramático. Tradução de Pedro Süssekind. São Paulo: Cosac Naify, 2007. 440 p.
RANCIÉRE, Jacques. A partilha do sensível. São Paulo: Editora 34, 2005.
REWALD, Rubens. Autor Espectador. São Paulo, 2004. Tese apresentada no Doutorado em Ciências da Comunicação, Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo.
XAVIER, VALÊNCIO. Rremembranças da menina de rua morta nua. In:______. Rremembranças da menina de rua morta nua e outros livros. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 39-59.

___________________
[1] Trabalho apresentado na XII Semana de Extensão Universitária – SEMEX do XII Congresso de Produção Científica e Acadêmica da Universidade Federal de São João del-Rei.
[2] Professor Assistente do Curso de Teatro (UFSJ), coordenador atual deste projeto.
[3] Professora adjunta do Curso de Teatro (UFSJ), vice-coordenadora atual deste projeto.
[4] Iolanda de Lourdes é bolsista deste projeto, graduanda em Teatro pela Universidade Federal de São João Del Rei.
[5] Luis Firmato é bolsista graduando deste projeto, graduando em Teatro pela Universidade Federal de São João Del Rei.
 .
[6] XAVIER, VALÊNCIO. Rremembranças da menina de rua morta nua. In:______. Rremembranças da menina de rua morta nua e outros livros. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 39-59.
[7] Luis Firmato
[8] Junio Carvalho
[9] Sabrina Mendes
[10] Pedro Mendonça
[11] Tais como Belém (PA), Fortaleza (CE), Araguari (MG), entre outras.