Autor:
|
Marcelo Eduardo Rocco de Gasperi
|
Bem Vindo!
TRANSEUNTES
Criado em abril de 2012, o grupo de pesquisa"Transeuntes: Estudos sobre performance e Teatro performativo" foi formado a partir da necessidade de artistas em ampliar os estudos sobre as intervenções performáticas nas ruas. Em parceria entre Professores e Alunos do Curso de Teatro (COTEA) da UFSJ (Universidade Federal de São João Del Rei), o projeto consiste, entre outros pontos, em estudos teóricos sobre determinados autores que abordam o teatro nas ruas e em experimentações práticas que visam inserir o espectador transeunte na construção dos processos criativos, a partir das temáticas referentes às abordagens atuais. A pesquisa tem como principal objetivo investigar as propostas de estreitamento entre a cena contemporânea e o espectador transeunte nas ruas de São João Del-Rei, visando analisar a inserção do público como participante das ações performáticas, na busca de:
(...) Utilizar o ambiente urbano de maneira diferente das prescrições implícitas no projeto de quem o determinou; enfim, de dar-lhe [espectador-cidadão] a possibilidade de não assimilar, mas de reagir ativamente ao ambiente. (ARGAN, 1998, p. 219)
Os membros atuais do grupo Transeuntes são:
Professores - Ines Linke e Marcelo Rocco.
Alunos - Débora Trierweiler; Diego Souza; Diogo Rezende; Fernanda Junqueira; Gabriela Ferreira; Guilherme Soares; Halina Cordeiro; Henrique Chagas; Isabela Francisconi; Kauê Rocha; Nathan Marçal; Paula Fonseca; Rick Ribeiro; Tatiane Talita.
terça-feira, 30 de maio de 2017
Tese acerca do grupo Transeuntes
Políticas do espaço: desordem e emergências da performance.
PALAVRAS-CHAVE
KEYWORDS
artística realizada em espaços públicos possibilita também o afastamento, o desinteresse,
e o devaneio por parte dos passantes que atravessam o trabalho em construção.
Tais probabilidades ampliam o espectro de sentidos acerca de ocupação
dos espaços públicos da cidade, verticalizando os processos de pesquisa.
Expandindo o pensamento acima, pode-se dizer que o acolhimento do espectador
pelo grupo cria pequenas e efêmeras molduras espaciais no centro urbano,
objetivando a troca de experiências entre a cena e o espectador pela articulação
entre os ambientes oferecidos pela cidade e os procedimentos artísticos apresentados
pelo grupo. Sobre este aspecto, Bakhtin (1 993) refere-se à receptividade como
parte dos esforços dos agentes do discurso em construir territórios comuns a fim de
firmar um diálogo. Pode-se dizer que esses esforços agregam valores, concordâncias
e discordâncias referentes a assuntos determinados, confrontando ou revisitando
questões a respeito da sociedade. No que concerne ao campo artístico, a
recepção estética pode ser mais aguçada a partir da investigação na rua, em que a
própria relação de diálogo com o espectador se modifica devido ao caráter de liberdade
de movimento (JACOB, 2008). Pode-se pensar que as criações artísticas
são parte do tecido que compõe a cidade, pois elas possibilitam outros sentidos de
espacialidade, recombinando ações, diluindo fronteiras, inventando intersecções.
Tendo como mote a aproximação física com o espectador, o Grupo Transeuntes
percebeu a necessidade de tratar verticalmente as temáticas que aparecem
como eixos de estudo nos discursos do grupo e nos enunciados das ações: a sociedade
de consumo e a espetacularização da vida. Na sociedade de consumidores –
em que os produtos devidamente postos em prateleiras lembram frequentemente
que o cidadão deve consumir – a natureza criadora possibilita uma crítica, mesmo
em pequenos nichos, acerca da normatização da cultura atrelada ao consumo.
que mediam a fragmentação em módulos. A conceituação de que a performance,
segundo Jon Mackenzie, num sentido mais geral é um extrato de poder e
saber se liga ao processo de construção de uma cena expandida que se enreda
nos contextos políticos (MACKENZIE, 201 1 , p. 439).
O projeto “Cartas”, em seus desdobramentos performativos, de acordo com
a visão de Mackenzie, explora o cultural, o tecnológico e o organizacional na medida
em que, investiga e desenvolve performances modulares em diversas versões
midiáticas: performance de longa duração, desprogramação espacial, web-rádio e
instalações literárias. Módulo: performance de longa duração. A ideia de longa-duração
em performance pode ser compreendida tanto pelas ações isoladas - como é
o caso de trabalhos de artistas como Marina Abramovic ou Jan Fabre, quanto pela
sua duração no tempo estendido, com ações reperformadas ou atualizadas ao longo
de vários meses ou anos.
No caso de “Cartas a Renato Cohen”, o trabalho enquadra-se melhor na
segunda opção. Desde as primeiras experimentações, na cidade de São Paulo, o
projeto trabalha com a complexidade de midiatização, e, portanto, compreende
uma gama diversa de formações que se alteram e se atualizam ao longo do tempo.
O fato de que o projeto “Cartas” tem uma característica nomádica – sempre teve,
configurou-se como uma estratégia poética ao dar importância aos interesses e
desvios da ideia original. Módulos autobiográficos podem ocorrer em parceria,
mesmo que no trajeto ocorram desvios: em um determinado momento as conexões
acontecem.
Como um organismo que se espalhou, o projeto “Cartas” queria insistir e
insistir em viver, quebrando fidelidades técnicas. Ora os performers dedicavam-se a
executar fortes trabalhos corporais, mas em outra época, com todos os computadores
ligados, se encontravam com a imagem projetada, gravada, editada em tempo
tem interesse na memória e na produção de camadas de textos com diferentes
origens, e que de alguma maneira estimulam a criação dos módulos.
As longas durações geram sistemas segmentados, sendo possíveis, neste
caso, graças às diversas formas em que o projeto se atualiza a cada vez que é disparado:
as variações decorrem tanto da posição geográfica dos performers, quanto
das condições físicas ou a própria composição de artistas que é acionada. Quando
os encontros presenciais acontecem, nas residências artísticas, o contexto onde o
projeto está inserido torna-se significativo para a ação.
A primeira apresentação pública do projeto aconteceu no MUBE em 2014.
Tratava-se de uma proposta de desprogramação espacial intercambiando imagens
de edifícios distintos em estéticas distintas; as janelas da fachada do antigo hospital
foram projetadas numa parede externa do museu. Esta foi a primeira experimentação
do agrupamento, fruto de imersões de vinte e quatro horas no espaço de trabalho
chamadas “nano-residências”.
Módulo: transmissões de web rádio. Durante todo o processo criativo da
performance Cartas a Renato Cohen as conexões remotas e de longa distância fo-
ram utilizadas como ferramentas de trabalho. A carta, ontologicamente, problematiza
a questão da “presença”: uma vez que se há recebido uma correspondência,
atualiza-se no espaço-tempo a presença daquele que a escreveu, no momento em
que a escreveu. Por morarem em estados distintos, e distantes entre si, os participantes
da performance precisavam fazer-se presentes em um mesmo tempo-espaço,
e desta forma se deram os primeiros testes com softwares como Skype,
Hangout e Soundcloud. Esses softwares facilitaram a comunicação interna do projeto,
mas também, geraram um universo a ser explorado, visto que, à medida que
aumentava a complexidade das conexões, aumentava também a diversidade de
estéticas obtidas.
As transmissões de rádio não funcionaram apenas enquanto registro diário
da residência, mas se transformaram em poderosos disparadores para a cena performativa
proposta pelo agrupamento. Antes de falar com o chão - antes disso, realizava-
se uma transmissão da rádio, e a partir das emergências do programa
aconteceu a conversa com os ancestrais; a rádio funcionava como um prólogo para
a cena. A partir desse pensamento o projeto propôs pensar na rádio como frente de
pesquisa para o compartilhamento do projeto e também para o seu disparo: reperformar
o afeto / desgalvanizar o chão. Atualização em 201 6: o projeto “Cartas”
identifica que nos tempos atuais está difícil qualquer tipo de conversa, em especial
a prática dos diálogos sociais.
Durante o ano de 201 6 o projeto “Cartas” participou de uma residência artística
na cidade de Natal (RN) em um não-evento que se intitulou “Reperformar o
Afeto”. O não-evento foi coordenado pelo Grupo de Pesquisa em Performance e
Teatro Performativo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Ao longo de
uma semana os participantes colocaram em contato suas produções artísticas em
um ambiente de residência, mas também trocaram com os alunos e pesquisadores
de artes cênicas da Universidade em uma mostra-fórum organizada pelo projeto. Na
ocasião (outubro/201 6), os estudantes da Universidade ocuparam a área externa do
Departamento de Artes alguns dias antes do início do evento, passando posteriormente
para o prédio da reitoria da universidade, em agenciamento com estudantes
das demais faculdades do campus. A ocupação, segundo os alunos, funcionava
como forma de protesto e resistência contra a Reforma do Ensino Médio e a aprovação
da PEC 241 . Tais medidas prejudicam o futuro de muitos que se formaram e
se formarão na Licenciatura em Teatro e outras áreas das ciências humanas. A PEC
“do inferno”, como dizem as palavras de ordem da ocupação. O compartilhamento
das cartas, como performances da escritura para sentir a presença de Cohen em
nossos corpos, enuncia algumas vozes das mitologias do medo e prazer do texto,
episteme engendrando tempos múltiplos. “Cartas” são presenças ausentes onde
construímos nossas “Teorias do Esquecimento”.
a percepção do espaço urbano como produto de negociações que participaram
da política dos espaços. Problematizou-se a produção e os usos dos espaços
por meio de desvios, apropriações e especulações ficcionais.
Diversas manifestações em espaços públicos se relacionaram com as práticas
da performance e dialogaram com os conceitos das intervenções a partir da
instauração de um desuso, uma interrupção dos usos do cotidiano, que provoca
uma desordem perspectiva que age sobre os espaços urbano e participa da cidade
como obra. Ao promover movimento entre pessoas e desvios nos espaços, o que
se pretende? Criar um embate? Reformular comportamentos, práticas, políticas?
Criar imagens de uma outra realidade? Reunir pessoas em torno de uma ideia?
Existem diferentes formas de protestos, modos de fazer, formas de encontro. O projeto
“Bem Comum”, desenvolvido no contexto da EBA/UFBA, se inscreve de certa
forma na tradição do exame crítico, da apropriação e da transformação dos espaços.
Procura-se realizar imagens e criar ações que interferem na política do real e
intervém nos processos de subjetivação a partir do uso coletivo dos espaços por
meio de ações compartilhadas.
Em 201 6, no início da época de chuva, começamos o cultivo de algumas
mudas de plantas alimentícias e medicinais disponíveis em nossos ambientes cotidianos
transformando um terreno em horta. Criamos um canteiro de espécies nativas
comestíveis, no passado encontradas e valorizadas no campo e na cidade, no
intuito de formar uma coletividade interessada em discutir padrões alimentares em
relação aos conhecimentos tradicionais e os valores ideológicos implícitos na cadeia
atual de produção, distribuição e consumo cada vez mais inseridos na lógica
do comércio internacional. Criamos uma forma de rede que propõe interferir nos
aspectos sociais, políticos e estéticos que agenciam a produção de alimentos.
Parte-se da reflexão crítica dos usos dos lugares, passando de uma prática
de desvio que propõe práticas alternativas a partir dos desejos e necessidades das
situações. A horta e as atividades a partir dela transformam um estacionamento em
ambiente com cadeiras, mesas, bancos apropriados pelos diferentes grupos e indivíduos
que frequentam o espaço; o espaço é “reprojetado” continuamente a partir
dos diferentes usos.
Podemos enfrentar o pensamento econômico e criar relações com outros valores?
Podemos determinar as políticas dos espaços? Como retomar o espaço público?
Criamos intervenções que provocam um debate sobre a cidade e as diferentes facetas
da realidade urbana, os conflitos, as sobreposições de agendas, os desejos,
realizando imagens que apontam para diversas maneiras de viver. Criamos pontos
de encontro, lugares para preparar uma comida, situações para praticar os lugares.
A apropriação coletiva interfere nos agenciamentos urbanos e influenciam um imaginário
coletivo estabelecendo e fortalecendo conexões existentes e participando na
cidade-obra.
Em “Direito à Cidade”, escrito em 1 968, Lefebvre (2006) discute ideias sobre
o futuro das cidades e, para visionar uma utopia experimental, se pergunta: “Quais
são, quais serão os locais que socialmente terão sucesso? ”. Nas respostas, o autor
destaca a importância do resgate do espaço público, que tem a função de promover
encontros, trocas coletivas, sociais e culturais e permite que a diversidade
das experiências coletivas redesenhe e valorize os espaços das cidades a partir da
ação das pessoas. Tendo como prioridade o valor de uso em sua base morfológica,
a vitalidade dos espaços depende das instâncias de sociabilidade e da participação
ativa das comunidades que tornam os espaços públicos “favoráveis à felicidade”.
Para Harvey a cidade é “a mais consistente e, no geral, a mais bem-sucedida
tentativa do homem de refazer o mundo onde vive de acordo com o desejo de
seu coração” Ao refazer a cidade, ele se reconstrói. Desta forma, o espaço não é
unicamente o elemento central de estruturação da performance, mas da própria sociedade;
ao mesmo tempo condição, meio e produto, o espaço é o palco das ações
humanos e o contexto das realizações do homem. Na medida que o homem critica
os “usos”, ele inventa “contra usos”, “desusos” e “reusos” que inserem conflitos e
desestabilizam, ele se reinventa.
Neste viés, as ações do Bem Comum são pensadas como estratégias onde diferentes
usos contradizem as práticas atuais em uma poética que substitui a palavra
“progresso” pela ideia de “decrescimento”, pré-programando as funções determinadas
porta, a polícia continuou atirando balas de borracha e as pessoas encurraladas
quebraram o vidro da porta de entrada.
Dias depois, um grupo de funcionários e professores nomeado “Somos todos
UERJ” organizou um ATO em defesa da Universidade. A performance coletiva
de abraçar o edifício contra os ataques vândalos logo conquistou o apoio midiático.
Ao saberem deste “Ato”, alguns estudantes do Instituto de Artes organizaram um
“Contra- ato” e mantiveram sigilo sobre a ação.
Durante o abraço coletivo em torno do edifício surgiram quatro pessoas ensanguentadas
de tinta vermelha, amordaçadas e vestidas com o mínimo de roupas,
tipo cueca, calcinha e top. Caminharam abraçados até a porta de vidros quebrados.
Lá ficaram deitados, amontoados e imóveis por 30 minutos. Este “Contra-ato” deslocou
a intencionalidade do “Ato”. A violência dos corpos ensanguentados e silenciados
incluiu a reação das pessoas xingando os performers. Aqueles que
pacificamente abraçavam o edifício se tornaram raivosos. Um dos pontos altos foi o
grito de uma senhora: ”Vocês vão pagar por isso seus putos”. Os estudantes, que
depois se formaram como grupo de performances, se nomearam “Coletivo Seus
Putos”. Esta apropriação do xingamento subverteu o sentido original do enunciado
pela criação de outro contexto que, fora da ação in situ, potencializou seu caráter
provocativo.
e cotidiana dos lugares limita nossa percepção da Universidade e da cidade
como espaços produzidos coletivamente. A proposta de coletivização do espaço
através do lixo alterou temporariamente nossa relação cotidiana com o lugar, desestabilizando
as fronteiras funcionais entre professores, estudantes e funcionários.
Na segunda fase da ação - o transporte do lixo pelo metrô - o mais importante
foi carregar o lixo como material para a montagem de uma “obra de arte”. Isto
justificou a entrada de quinze pessoas carregando cinquenta sacos de cem litros
com lixo nos trens do metrô. Neste aspecto o argumento “arte” é importante para
viabilizar algumas ações-intervenções em espaços públicos (sem autorização prévia).
A terceira fase da ação foi quando chegamos na praça Mauá durante a manifestação
do Sindicato do Professores, combinada previamente. A instalação do lixo
em sacos escritos “Universidade Pública Lixo Olímpico” em pleno cartão postal da
cidade, colocou em questão as políticas do espaço urbano.
O vídeo da intervenção, editado por Jonatas Puga, ultrapassou o caráter de
registro da ação. A montagem de narrativas contrastantes: discurso de posse do
Governador, notícias de jornal, depoimentos de funcionários sem salário, alunos do
na cidade.
A dimensão física e simbólica das performances ativistas é indissociável das
dinâmicas de visibilidade e invisibilidade entre territórios já instaurados. Neste jogo
de desloca-mentos estéticos e desordem comportamental se instauram situações
temporárias, cuja potência política lida diretamente com as táticas de “governamentalidade”
dos espaços públicos.
JACOB, Elizabeth. Uma abordagem cenográfica sobre o teatro pós-dramático. In: LIMA, Evelyn Furquim
segunda-feira, 22 de maio de 2017
terça-feira, 16 de maio de 2017
- Fechamento e enquadramento da cena final