Bem Vindo!

TRANSEUNTES

Criado em abril de 2012, o grupo de pesquisa"Transeuntes: Estudos sobre performance e Teatro performativo" foi formado a partir da necessidade de artistas em ampliar os estudos sobre as intervenções performáticas nas ruas. Em parceria entre Professores e Alunos do Curso de Teatro (COTEA) da UFSJ (Universidade Federal de São João Del Rei), o projeto consiste, entre outros pontos, em estudos teóricos sobre determinados autores que abordam o teatro nas ruas e em experimentações práticas que visam inserir o espectador transeunte na construção dos processos criativos, a partir das temáticas referentes às abordagens atuais. A pesquisa tem como principal objetivo investigar as propostas de estreitamento entre a cena contemporânea e o espectador transeunte nas ruas de São João Del-Rei, visando analisar a inserção do público como participante das ações performáticas, na busca de:

(...) Utilizar o ambiente urbano de maneira diferente das prescrições implícitas no projeto de quem o determinou; enfim, de dar-lhe [espectador-cidadão] a possibilidade de não assimilar, mas de reagir ativamente ao ambiente. (ARGAN, 1998, p. 219)

Os membros atuais do grupo Transeuntes são:

Professores - Ines Linke e Marcelo Rocco.

Alunos - Débora Trierweiler; Diego Souza; Diogo Rezende; Fernanda Junqueira; Gabriela Ferreira; Guilherme Soares; Halina Cordeiro; Henrique Chagas; Isabela Francisconi; Kauê Rocha; Nathan Marçal; Paula Fonseca; Rick Ribeiro; Tatiane Talita.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

SÉRIE DE ENTREVISTAS COM OS PESQUISADORES DO GRUPO TRANSEUNTES

PERGUNTAS
• QUAL O PERÍODO DE SUA ENTRADA NO GRUPO?
• QUAL (QUAIS) A(S) MOTIVAÇÃO (MOTIVAÇÕES) INICIAL (INICIAIS) QUE LEVOU VOCÊ A PARTICIPAR DO AGRUPAMENTO?
• SOBRE O FORMATO DAS REUNIÕES, ACERCA DAS DISCUSSÕES TEXTUAIS, PREPARAÇÃO PARA AS AÇÕES, ETC., COMO VOCÊ CONSIDERA A SUA PARTICIPAÇÃO? PODERIA PONDERAR? OU SEJA, COMO VOCÊ SE VÊ E SE MOVE DENTRO DO GRUPO?
• FALE UM POUCO SOBRE AS LINHAS DE PESQUISA QUE VOCÊ CONSIDERA IMPORTANTES DENTRO DO TRANSEUNTES, CONSIDERANDO TAMBÉM OS EIXOS DE INTERVENÇÃO URBANA, AS LINHAS TEMÁTICAS ACERCA DO FEMINISMO, GÊNERO, ENTRE OUTRAS. (FALE LIVREMENTE).
• SOBRE OS PROCEDIMENTOS ARTÍSTICOS QUE O TRANSEUNTES REALIZA NAS RUAS E EM DEMAIS ESPAÇOS PÚBLICOS, COMO VOCÊ PERCEBE A PARTICIPAÇÃO DOS PASSANTES? COMO O TRANSEUNTES AFETA A CIDADE A PARTIR DE PEQUENAS FISSURAS, AÇÕES EFÊMERAS, ETC.?
• FALE UM POUCO SOBRE A SUA PARTICIPAÇÃO NOS PROJETOS ATUAIS E AS REVERBERAÇÕES NO GRUPO .

DIOGO BRITO REZENDE
• 1º período (2015-1)
• Entrei para o grupo principalmente porque queria fazer parte e conhecer melhor algum projeto de extensão/pesquisa, e meus amigos mais próximos todos iam participar.
• Sei que não me coloco muito nas discussões – o que estou tentando mudar –, mas sempre busquei participar de todos os exercícios e ações propostas.
• Acho importantes principalmente as linhas de pesquisa ligadas à pressão social e ao poder que a sociedade tem sobre todos nós (desde da sociedade familiar até a global), em todos os âmbitos (mídia, religião, política, sexualidade, feminismo...), o que engloba os assuntos levantados tanto no Morra quanto no Deus é Fiel. E acho que seria muito interessante continuarmos nessa linha.
• Como fazemos teatro de rua performativo (se eu estiver errado, por favor me corrija), é mais o do que natural – e essencial – a participação dos transeuntes nessa experiência – o teatro só existe porque há essa conexão em tempo real entre os atores e o público (no nosso caso, os transeuntes). Acredito que o Transeuntes, de uma maneira ou de outra, acaba – seja por suas intervenções, performances ou espetáculos –, mesmo que minimamente, por afetar a cidade e seus habitantes. Toda ação, por menor que seja, tem uma consequência, e as nossas não são diferentes.
• Como disse anteriormente, tenho consciência que não me coloco muito nas discussões do grupo, e que estou tentando mudar, mas acredito que contribuí de certa forma para o espetáculo Deus é Fiel, principalmente – e isso é algo que me alegra – na “remontagem” do espetáculo, quando reorganizamos as cenas. Vou continuar tentando ajudar sempre no que eu sentir que posso melhor contribuir, e fico mais do que feliz em ficar a cargo, no ano que vem, de gravar nosso processo de construção do novo espetáculo para depois montar um vídeo.
DIEGO MACHADO
• Participo do grupo desde março de 2015.
• A necessidade de discutir e debater diversos temas que, de alguma forma, se relacionam com questões pessoais minhas, me incomodam e/ou provocam alguma curiosidade.
• Acredito que, em geral, minha participação foi positiva. Tentei me esforçar o máximo possível para desenvolver os exercícios propostos (mesmo não gostando de todos) e realizando as leituras necessárias para as discussões, para as quais tenho me esforçado bastante para aumentar minha contribuição.
• Acredito que todos os temas estudados pelo Transeuntes são de extrema importância, estão em evidência na sociedade, gritando por atenção. Em minha percepção, os temas que melhor foram discutidos pelo Transeuntes no último ano foram a arrecadação de lucro pela fé e a intolerância religiosa, porém sem deixar de abordar, mesmo que de forma superficial,  vários outros temas importantes.
• É muito perceptível um grande estranhamento nos transeuntes ao se depararem com atividades e ações tão diferentes do comum. Vejo este estranhamento como um aspecto muito positivo, pois a partir dele, muitas vezes, o transeunte é provocado a enxergar determinada coisa que até então não era vista (percebida) ou até mesmo a refletir sobre determinado assunto ou situação. Acredito que todas as ações afetam o olhar sobre a cidade, pois evidencia aquilo que muitas vezes não é evidente a quem “se acostuma”.
• Vejo a minha participação como algo mais importante para o meu crescimento pessoal e profissional do que para o grupo em si. Neste último ano, tudo foi novidade, logo, pude aprender mais do que contribuir.
Estar no grupo foi fundamental para que eu pudesse discutir questões que me incomodam e que nos cercam a todo momento. Talvez ai esteja uma das maiores importâncias pra mim, pois esta discussão não fica apenas na forma verbal, se transforma em imagens, em corpos e em ações, me fazem refletir e me trazem satisfação, por unir um tema que me incomoda com algo que me dá tanto prazer (teatro).
IOLANDA DE LOURDES
• Novembro de 2013.
• Sempre via algumas ações acontecendo na rua e isso me despertou interesse.
• Para mim, o grupo Transeuntes foi a coisa mais importante que fiz dentro da faculdade. Então minha dedicação foi máxima para as leituras e as discussões. Hoje os textos fazem parte do meu histórico de vida e pretendo seguir este caminho depois que me formar.
• O Transeuntes trabalha diretamente com as questões sociais na qual estamos todos envolvidos e de uma maneira muito direta e próxima já que suas ações e apresentações se encontram todas na rua para um publico acidental. Um publico que nem sempre ou nunca tem a oportunidade de ir ao teatro. Seja por questões culturais ou financeiras. Então o Transeuntes se coloca de forma democrática quando realiza suas ações, intervenções, do processo e espetáculo final.
• As questões da atualidade estão principalmente em torno do comportamento do corpo que deve obrigação a algo ou alguém sendo estes: estado ou religião.
• Os temas escolhidos pelas duas encenações que realizadas: MORRA! e DEUS E FIEL são reflexos da sociedade doente por consumo e domínio do corpo.
• O Transeuntes faz da rua sua ferramenta de trabalho. As leituras dos textos na rua, as ações propostas pelos integrantes na rua que dialogam diretamente com os transeuntes. Sejam esses olhando ou dialogando com o performer. Assim, o texto dramaturgo se constrói a partir desse dialogo entre publico e performer. Podemos dizer que o publico ajuda a construir a encenação final e ainda modifica - a quando ela e apresentada, pois o dialogo continua nessa apresentação (considerada aberta).
• Quanto ao espaço físico, o grupo trabalha seus corpos na rua utilizando-se  desses lugares despercebidos que servem de suporte de passagem. Trabalhados, eles têm outro significado a partir de sua manipulação diferenciada. Não e mais possível o publico/transeuntes não perceber tal espaço depois de sua (Re)utilização. 
• Atualmente, estou com a pesquisa de Trabalho de Conclusão de Curso então minha atenção esta inteiramente voltada para o mesmo. Mas o grupo me afeta diretamente pelo que trabalhei dentro dele. Minha investigação atual esta intrinsecamente ligada a rua e o tipo de encenação escolhida por mim, permeia o teatro performativo que e trabalhado no grupo Transeuntes. Meus textos atuais estão se encontrando com os textos do grupo. Através do grupo me interessei mais que nunca pelas questões politicas e sociais e assim pretendo continuar.
KAUE ROCHA
• Entrei no meu primeiro período, em março de 2015.
• Na primeira semana de aula, o Transeuntes foi apresentado em uma aula de exposição dos projetos do curso de Teatro. Nunca tinha tido contato com performance, e isso me interessou muito em participar do grupo. A fala sobre a temática do espetáculo MORRA - MAS ANTES APROVEITE NOSSAS LIQUIDAÇÕES feita na aula também me levou a procurar o grupo, pois gostei do tema trabalho, sabendo que um novo espetáculo com uma boa temática estaria sendo trabalhado.
• Acredito que tenho mais facilidade nos momentos de discussão teórica. Como disse na segunda questão, tive com o Transeuntes meu primeiro contato e experiências com a performance. Através dos textos, pude conhecer ainda mais, e debatê-los nas reuniões foi de extrema importância, pois através dos fluxos de ideias e considerações conseguia aprender mais. Também sempre me coloquei nas preparações para as ações; porém, de modo mais tímido, discreto, talvez por não ter tanta experiência.
• Gosto de nosso contato com a rua, com o transeunte. É muito forte para mim ir até o espaço urbano e ressignificá-lo, tirar dele novas impressões, funções. Tirar o teatro de espaços institucionalizados e usar da cidade para fazê-lo. Atrair os passantes, pará-los de seu percurso para observar. Adentrar espaços acadêmicos, por muitas vezes engessados pela burocracia e tomado por cabeças preconceituosas, e ali criar.
• Tomando como ponto de observação as atividades realizadas no Centro da cidade, acredito que o transeunte é tímido, mas extremamente curioso. Ele tem pouca coragem de chegar mais perto, ter um contato maior, mas fará de tudo parar observar cada detalhe das ações. O Transeuntes usa a cidade, a deixa viva, móvel, forte. Praças pacatas tornam-se palco de movimentos, ações. E isso afeta o transeunte, que enxerga aquele local de outra forma, não apenas um trilho de passagem.
• Participo também do Murundum, grupo de dança contemporânea, e aplico muito no Transeuntes a força do corpo do dançarino nas ações que fazemos. Cuido do espaço negativo e desenho meus movimentos no espaço.
• Qual a importância das reuniões mais teóricas, com a leitura de textos prévios como alimento (ou não) das práticas? Ou seja, as reuniões teóricas, bem como os textos, alimentam as ações práticas? Por quê?
• A teoria alimenta a prática, isso é fato. Ao estudarmos autores consagrados, puxamos esse conteúdo de ideias para nós. Pensamos nas atividades que já foram realizadas em outros países e consideramos fazê-las. A leitura é muito importante. Acho que o que disse na questão 3 cabe aqui.
LUIS FIRMATO
• Estou no grupo desde o primeiro semestre de 2012, quando da primeira reunião até o dia primeiro de dezembro de 2015
• Me interessei principalmente pelo caráter subversivo do grupo. Suas temáticas que incluíam os desejos e questões pessoais, além da pesquisa de linguagem da performance.
• Acredito que contribuía de modo satisfatório. Sempre procurei relacionar as leituras indicadas com outros textos e experiências pessoais fazendo conexões que de algum modo contribuíssem com a leitura, inclusive indicando outras leituras provocadas pelas discussões. Quanto as ações tentei durante todo o período que estive ligado ao grupo corresponder com as ações propostas pelos outros pesquisadores assim como propor ações. Em nossas conversas procurei sempre apontar as fragilidades dos trabalhos realizados apontando possíveis modificações e reestruturações que ajudassem a valorizar, assim como ouvia as considerações a partir das minhas propostas modificando-as. 
• O Transeuntes talvez seja o único grupo de pesquisa da UFSJ que de fato trabalho no âmbito da cidade de maneira efetiva. Nem mesmo os grupos do curso de Arquitetura o fazem tão verticalmente. Visitamos mais de 30 bairros em SJDR e conhecemos diferentes modos de ver e viver a cidade. 

Os temas ligados ao feminismo, discussões de gênero, crítica ao consumismo e a relação entre o corpo e a cidade são explorados cotidianamente na prática do grupo e em seus modos de relação. Diversas discussões sobre esses temas vão além da pesquisa e leitura de textos. Surgem nas intervenções e ações na rua, nas discussões e debates do próprio grupo, que por englobar estudantes de diversas realidades e experiências diferentes consegue enriquecer suas conversas e pesquisa com distintos pontos de vista. 
• São João del-Rei é uma cidade que comporta uma realidade cotidiana atrelada a seu passado histórico principalmente em suas construções monumentais ligadas à igreja católica. Qualquer uso distinto oferece estranhamento e ocorrem tentativas de diluição. As ações dos Transeuntes operam então em um lugar de grande destaque já que oferece novos modos de ver e usar o tecido urbano. Se não é possível nem tão pouco desejável desestruturar os usos vigentes, oferecemos a oportunidade de experimentação distinta das estabelecidas muitas vezes dando visibilidade à práticas e narrativas excluídas dos modos oficiais de conservação e legitimação da cidade.
• Acredito que minha presença no Transeuntes tenha sido definitiva para minha formação. Foi neste grupo que experimentei de fato o corpo na rua, a relação com a performance e a perfomatividade e onde de fato vivi processos. Amadureci junto ao grupo ao mesmo tempo que amadurecia dentro da graduação. Onde um lugar alimentava o outro em uma troca frutífera. Podia experimentar no grupo Transeuntes experiências das aulas, textos e discussões. E levava para as aulas e outros projetos as experiências que vivia no grupo. Poucos são os lugares onde se pode experienciar a vida profissional como neste grupo. Por meio das viagens e apresentações pudemos vivenciar diversas situações muito próximas  das vividas no meio profissional. 
Acredito também que pude utilizar o grupo como um lugar para exploração de diversas práticas vividas em outras instâncias. Como monitor de oficinas e alongamentos pude oferecer ao grupo, e naturalmente a mim mesmo, diferentes práticas de alongamento e experimentar possibilidades que de modo definitivo me ajudaram a construir um arsenal de exercícios que utilizarei em situações de direção, lecionando e mesmo em minha prática pessoal. 
O Transeuntes é sem dúvida o projeto que corresponde com o seu lugar de ensino, pesquisa e extensão. Já que consegue transitar neste tripé, seja efetivamente em suas ações na rua ou nas ligações e conexões com outras disciplinas, projetos e ações.
Acredito que o que eu quero com o teatro seja bem próximo à rotina do grupo. Suas discussões e práticas exigem compromisso e envolvimento e demonstram na prática o que o teatro e a profissionalização exige. Saio do grupo por questões pessoais, mas é um pedaço de mim que morre. Foi neste grupo que me formei e que amadureci como estudante, como profissional e principalmente como pessoa. Agradeço a todos àqueles que comigo compartilharam momentos no grupo e desejo que ele tenha vida longa e que continue com seu papel fundamental dentro da UFSJ. Que é o de oferecer novos modos de se fazer e pensar o teatro contemporâneo, desestabilizando as práticas vigentes e os usos codificados do corpo, da cidade e do pensamento.
MARIA GABRIELA PEREIRA LUCENTI
• Minha aproximação foi em agosto de 2014, tendo participado como produtora (no sentido contra regra) na apresentação em Fortaleza e, posteriormente, na Bienal da UNE em janeiro de 2015. Minha entrada como “proponente” e “atriz” se deu em março de 2015.
• Proximidade com o orientador (tanto em linha de pesquisa, quanto pessoal/afetiva); interesse pela linguagem pesquisada; possibilidade de apresentar para púbicos mais variados.
• Tive um ano muito ruim, e isso refletiu em meu trabalho em todas as áreas do grupo (e em outros grupos dos quais participo também). Gosto da forma de trabalho do Transeuntes, onde há horizontalidade e incentivo à participação de todos e todas.
• Gosto do modelo de pesquisa do transeuntes, que trabalha acerca da pergunta “sobre o que quero falar”. É um formato que atrai pessoas interessadas em debater questões de cunho social. Esses debates são importantes 1: porque são; 2: são tendências acadêmicas e sociais, favorecendo nossa entrada em congressos, seminários, festivais...;3: é característica (desde muito tempo atrás) do teatro que seja envolvido, engajado.
O transeuntes se propõe a pesquisar performatividade, conceito relativamente novo e ainda pouco assimilado pelas grandes populações urbanas. É uma aplicação prática dos conceitos aprendidos nas universidades às comunidades. No Brasil, o teatro e a performance, bem como outras artes contemporâneas, não são devidamente difundidos e, por isso, não são compreendidos ou absorvidos por não estudiosos do assunto. Mesmo em estudiosos, por se tratar também da estética emergente, muitas ideias se misturam e confundem.
O objetivo do grupo é entender o que já foi e ainda está sendo pesquisado de forma teórica e prática, incluindo a cidade e a população.
• Durante os ensaios do inverno cultural, tivemos aquele caso interessando do menino passando por nós no momento de tortura das bruxas. Ele não entendeu o que era, fazendo o que achava certo, porém, com meios errado (talvez!), nos ameaçou. Após explicarmos (400 vezes!) que se tratava do ensaio de uma peça, ele foi embora ainda nos intimidando. Ele nos assistiu nos dói dia de apresentação, e levou muito amigo que, provavelmente se não tivesse ocorrido o episódio, não teriam ido.
Só por isso eu acredito fundamental o contato que o transeuntes se empenha em manter com a comunidade. Apesar de acreditar na arte como dos principais agentes modificadores da sociedade, não tenho a ilusão de que vou modificar o mundo e atingir milhões de pessoas com meu teatro ou minhas ações artísticas. Entendo que é um trabalho árduo, de formiguinha, e que está sentamos cumprindo bem.
• Como já disse, não tive um bom ano. Sendo assim não creio que contribui muito nos pic Nietzsche, poucas vezes consegui ler os textos a tempo. Ainda assim frequentei-os pois gosto da proposta e acredito que as discussões também instruem.
Quanto aos treinamentos (oficinas ministradas pelos (as) integrantes), realizei-o com a entrega necessária, buscando assimilar em mim o que funciona nos outros para estimular nossa criação. Não propus muitos treinamentos ou aquecimentos por insegurança em ministrar. No grupo, me sinto segura e amparada, o que favorece minha entrega.
Apesar de tudo, me sinto também importante ao grupo devido a minha postura apaziguadora (com exceções!) e honesta.
Que o ano que vem seja bem melhor (e será!)
GUILHERME SOARES
• Entrei no grupo quando estava no 2º período entrei logo no final do ano, por compromissos na quinta feira não pude entrar no grupo no começo do ano
• Eu conheci o Curso de Teatro através do Transeuntes, um dia eu matei meu cursinho e vi a apresentação que o grupo fez no Inverno de 2014, eu sempre tive interesse no curso mas não achava nada na internet que pudesse me informar, então no fim da apresentação quando as pessoas se apresentaram eu anotei alguns nomes e adicionei no facebook, foi quando conheci o Luis e a gente marcou de se encontrar e ele me mostrou o prédio, as salas, e  me falou sobre o curso e o sobre o projeto, minha idéia inicial era participar, mas quando já estava no curso descobri que o encontro eram nas terças e quintas, e eu já tinha compromisso na quinta. Eu acho que minha motivação inicial que me fez querer participar do grupo foi porque eu adoro comédia, e vi na apresentação do Morra, apesar das cenas forte um toque de comédia e ironia, e isso me chamou muita atenção
• Eu cheguei boiando, não sabia o que era Picnitche (não sei se está correto) e nem sobre os outros autores, mas eu perguntei e o Diogo me explicou sobre os textos quanto ao preparo das ações eu tento dar o melhor, apesar de não ter atuado nesse tempo eu fiz tudo o que os atores fizeram, alonguei e fiz os exercícios que foram muito bons pra mim porque eu tenho um corpo muito duro e eles me ajudaram a soltar mais
• Eu acho super importante essa linha de pesquisa sobre vamos dizer os preconceitos da sociedade, como falar sobre religião sexualidade gênero, pois como é um grupo que está na rua, temos todo o tipo de publico presente que de alguma forma quando for ver vai se identificar com aquilo. Se fosse um grupo de ópera que se apresentasse no teatro, somente os amantes de óperas iriam ir vê-lo, mas nós somos um grupo de rua onde todos os temas discutidos são interesse das pessoas que estão na rua, elas ficam com a pulga atrás da orelha quando nos assistem, e se perguntam: será que eu ajo assim? Será que eu faria o mesmo nessa situação, ou até se identificam em algumas partes
• Eu acho super importante o trabalho na rua, até porque é o nosso espaço de trabalho, mas eu ainda vejo São João Del Rei com um pouco de preconceito em relação ao teatro, vejo que pessoas olham estranho, comentam e até dizem: Ah deve ser o povo do teatro, quando o Transeuntes está fazendo alguma ação pela cidade. É como um estranhamento para a população, ainda mais com as pessoas mais velhas que acham que o teatro é dentro do teatro e algo na rua é como se fosse baderna (minha opinião)
• Por enquanto eu só estou no Transeuntes, pois os outros projetos não me chamaram atenção, pois ou o dia não batia ou era sobre dança e eu não gosto muito de dança, eu tenho um projeto que participo desde 2014 que é o Doutores por um Triz onde visto de palhaço e vou no Albergue, Santa Casa e Hospital e agora comecei nesse fim de ano a participar do novo projeto Araci. E espero que em 2016 eu continue nesse e possa me identificar com algum outro.
RICK RIBEIRO
• Minha entrada no grupo Transeuntes foi no segundo período do curso de teatro em agosto de 2014.
• Inicialmente, meu interesse pelo grupo veio a partir da identificação com teatro de rua, que já tinha uma experiência nesse meio antes de entrar na graduação. A performance e teatro performativo ,que para mim ainda era novo também foi uma importante motivação e a minha preferência de área teatral se consolidou dentro do teatro pós-dramático devido a participação no grupo. Também fui motivado pelo meu interesse a pesquisa da pratica performática e pela representação em cena. A construção a partir das temáticas que levantavam assuntos sociais, com um questionamento através de processos criativos e artísticos na rua, me despertou uma motivação ativista em que era um espaço de criação performática suscitando temas atuais que precisam ser evidenciados. Outra motivação foi a experiência com a representação pelo fato de me identificar menos com a interpretação. E acreditar no trabalho corporal do grupo com a  representação.
• O grupo tem um formato colaborativo, que propicia o envolvimento de todos os membros a cerca das ações e propostas para montagem. Existe um espaço para a proposta de cada membro. Dentro de um processo de construção acredito ser válido todas as propostas e particularmente me vejo no grupo com propostas e pontos de vista que através de uma reciprocidade dos membros, o manifesto, ideias e ações criativas são úteis e esboços de pesquisas pessoais são trabalhadas e atendidas tomando perspectivas em um conjunto dentro dos limites quantitativos de propostas.
• Acredito que as temáticas como o feminismo, gênero, relações sociais entre outras que o grupo trabalha, são de extrema importância, é o questionamento de um assunto em pauta na atualidade são assuntos que necessitam de uma evidência que pode ser através da Arte como um manifesto, o grupo traz essa reflexão ou questionamento social sem um convite formal, intervindo o espaço urbano, e um espectador cidadão, pode ter conhecimento ao tema em sua participação com a intervenção performática proposta pelo grupo. Julgo que o  questionamento social deve está nas ruas, atingindo todas as camadas populares. A arte como manifesto fora de um espaço fechado e especifico atinge um número da população que não é elite. O público urbano tem uma relação direta com a apresentação performativa que interviu sua rotina e uma participação com a temática proposta que esta é evidenciada através das ações e reconhecidas por estes espectadores como temas atuais, ou os espectadores que desconhecem a temática, passa a ter conhecimento desses fatores ou problemas sociais com a relação das intervenções do grupo. 
• A cidade é uma espaço físico, que pode ser apropriado, ou pode sofrer uma intervenção ,o teatro feito na rua pode trazer novos significados  aos espaços urbanos. O público passa ser participante da construção criativa do grupo, e a cidade passa a ser um espaço de envolvimento entre público e artista através de uma relação mais intimista, a reação dos espectadores-transeuntes da rua é um elemento construtivo para o teatro performativo do grupo que faz suas experimentações na rua. Espaços urbanos que antes eram despercebidos passam a serem notados após a ocupação do grupo. Espaços desvalorizados que mostram a diferença de classes e valores culturais da cidade são espaços de preferência para as atividades do grupo, gerando uma nova significância de espaços em áreas abandonadas pelos poderes executivos.
• Deus é Fiel - Marca Registrada, o espetáculo é um trabalho em que me orgulho, foi uma grande experiência de transformar pesquisas a cerca dos temas: lucro através da religião, submissão da mulher na atualidade e a homofobia, em material cênico. Os textos a partir da discussão da performance é um conhecimento um tanto válido. Vejo a encenação performativa do grupo Transeuntes como um escape de uma construção a partir do realismo e tanto rica de pesquisa e retificações de temas sensíveis socialmente, e um grande envolvimento a uma prática contemporânea.
JUNIO CARVALHO
• Primeiro período do ano de 2013
• Minhas principais motivações, desde o início, são a possibilidade de estreitar fronteiras entre a cena e o público e a pesquisa ser provocada a partir de incômodos do grupo.
• Acredito participar efetivamente das ações do grupo, seja nas proposições de oficinas, alongamentos e outras práticas corporais; seja na postura crítica perante as discussões. O horário e o cronograma poderiam ser melhor articulados no que diz respeito ao cumprimento dos horários.
Me movo dentro do grupo segundo as provocações advindas das pesquisas do grupo, das quais procuro me alimentar e regar.

• Considero todas as temáticas trabalhadas até hoje plausíveis e necessárias de serem repetidas como preceito de resistência social, pois acredito na força que o grupo pode ter diante possíveis rupturas de conservadorismos/tabus sociais. É difícil atender todas as demandas pessoais, porém podem ser melhor aproveitadas no processo de criação.
• Com atenção, presença e ânimo nos olhos, o Transeuntes consegue atingir o efeito do entusiasmo e do prazer do público, fazendo com que este se coloque em cena e queira participar do evento.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015


Deus é Fiel-Marca Registrada
SEPOGA


O I Seminário da Pós-graduação em Artes na UFMG: pesquisa em andamento foi espaço para a apresentação artística do Grupo Transeuntes. O evento SEPOGA foi organizado pelos alunos de Pós-graduação em Artes na EBA e da UFMG durante o mês de outubro. O evento promoveu a discussão e o compartilhamento de pesquisas em andamentos, favorecendo o conhecimento acadêmico através da interação de pesquisas nas áreas como artes plásticas, cinema e tecnologias¹.
O grupo Transeuntes, enquanto participante do evento, destaca a visibilidade e a acessibilidade à experiências interdisciplinares e, o espaço para um diálogo direto com parte da comunidade externa presente. No dia 22 de outubro, o grupo Transeuntes participou do evento, apresentando um fragmento do espetáculo Deus é Fiel-Marca Registrada. As cenas O baile do Deus Moto e O culto da Igreja Transversal, foram escolhidas para uma amostra do espetáculo performativo que aborda temas como o lucro a partir da fé alheia, a homofobia, o racismo, a submissão da mulher na atualidade e extremismos religiosos que atacam e destorcem identidades não normativas. Tais questões que foram discutidas ao final da apresentação. A conversa concretizou-se com perguntas dos espectadores aos integrantes do grupo. Essas perguntas tinham como temas o percurso criativo do grupo a partir de uma temática, a pesquisa performática na rua, a utilização do espaços urbanos e, como as ações vão se desenvolvendo desde de 2012.

O grupo Transeuntes também compartilhou sua experiencia em pesquisas praticas que contribuíram para a composição do espetáculo Deus é Fiel -Marca Registrada. A experiência que o espetáculo absorveu da prática teatral na rua, a relação com espectador transeunte da cidade de São João Del-rei durante as apresentações, foram outros pontos relevantes entorno da pesquisa.








1 http://www.sepoga.com.br/#!evento/conr

domingo, 29 de novembro de 2015

Casa aberta: arte e pesquisa

O II Seminário Internacional Casa Aberta aconteceu de 26 de outubro à 8 de novembro. O seminário ocorre em consonância com a semana acadêmica do curso de teatro. No dia 30 de outubro alunos do curso de graduação em teatro da UFSJ se encontraram para trocar as experiências profissionais e acadêmicas na forma de comunicação oral. O grupo Transeuntes – Urbanidades marcou presença com estudos realizados a partir do espetáculo Deus é Fiel- Marca Registrada. Acentua-se a produção científica estimulada pelo grupo e a dedicação à pesquisa que o espaço acadêmico reflete. Os trabalhos podem ser encontrados na íntegra no livro Pequeno mapa de encontros e afetos organizado pela Professora Doutora Juliana Mota do curso de teatro. Abaixo encontram-se os títulos publicados e seus respectivos autores.

Notas sobre a cidade atravessada: as inserções do projeto urbanidades em são joão del-Rei – breve estudo sobre a encenação – Deus é Fiel- Marca Registrada.
Iolanda de Lourdes, Ines Link, Luis Firmato e Marcelo Rocco.



A reação transeunte frente a um espetáculo performativo: um estudo sobre Deus é Fiel- Marca Registrada.
Kauê Rocha

A submissão e o direito da mulher a partir do espetáculo Deus é Fiel- Marca Registrada.
Diego Machado e Fernanda Junqueira



A relação do corpo e as materialidades do espaço urbano como potencializador da dramaticidade da cena.
Edder Cardoso







A REAÇÃO TRANSEUNTE FRENTE A UM ESPETÁCULO PERFORMATIVO: UM ESTUDO SOBRE DEUS É FIEL - MARCA REGISTRADA

KAUÊ ANTONIO DA SILVA ROCHA1


ENSAIO E REAÇÃO
       

       Quando se inicia o processo de montagem de um espetáculo na rua, todo ensaio é vivido como a apresentação oficial. O público se forma gradativamente: alguns passantes interrompem seu percurso para acompanhar a inabitual movimentação em certo espaço da cidade; outros pelo menos observam as ações até seguirem seu caminho adiante, outros veem as cenas dos locais que estão; além das pessoas que já estavam no espaço de ensaio e foram surpreendidas pelo grupo. A cidade não está disponível para as sequências de ensaio que todo ator e diretor deseja (CARREIRA, 2010, p. 5)2. Desse modo, pode-se esperar qualquer tipo de reação da plateia formada, desde admiração e riso a ojeriza e revolta. Entretanto, quando se põe em prática aspectos conflitantes, como a montagem de um espetáculo cujo tema é a crítica a exploração da fé em uma cidade dominada por igrejas históricas e grande parte da população religiosa, os atores-performers preparam-se para enfrentar mais riscos durante o desenvolvimento das cenas. Tomando como ponto de estudo as situações vividas pelo grupo Transeuntes durante os ensaios e apresentações do espetáculo DEUS É FIEL – MARCA REGISTRADA em julho de 2015, vamos perceber as diversas reverberações das pessoas perante momentos que subvertem os fluxos da cidade.
         O espetáculo se constrói pelas ruas da cidade sendo guiado pela orientadora Abiqueila3, ocupando espaços do Centro e evidenciando a composição dos atores-performers, que criam figuras e personas e/ou personagens, escrevendo um texto urbano que critica extremismos religiosos que desprezam e atacam certas identidades, abordando temas como o lucro a partir da fé alheia, a homofobia, a submissão da mulher na atualidade (GASPERI,2015)4.


1 Graduando do curso de licenciatura em Teatro (COTEA), da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Bolsista/voluntário do curso de extensão Urbanidades. Estudante-pesquisador do grupo de pesquisa Transeuntes, cadastrado pelo CNPQ. Bolsista do Programa de Iniciação à Docência (PIBID Teatro). Membro do projeto de extensão Murundum- Grupo de Dança Contemporânea da UFSJ.
2 CARREIRA, André. A cidade como dramaturgia do teatro "de invasão". Disponível em: pt.scribd.com/doc/40287815/andre-carreira-a-cidade-como-dramaturgia#scribd. Acessado em: 30/09/15.
3 Interpretada pela atriz Lucimélia Romão.



Em um dos momentos da peça, uma bruxa é atacada por três anjos barrocos e amarrada em um poste; situação que desencadeia uma histeria coletiva e incentiva a orientadora a estimular a população a curar a mulher da bruxaria através de bolinhas oferecidas por dois vendedores. Esta cena faz referência à Fabiane Maria de Jesus, linchada e morta por moradores da periferia da cidade de Guarujá, em São Paulo, no ano de 2014, após ser acusada de sequestrar crianças para realizar magia negra. Durante os ensaios, tal cena sempre chamou a atenção dos transeuntes; entretanto, até metade deles, não houve nenhuma interrupção externa. Por mais que essa situação vista incitasse alguma interferência, o público parecia sentir a energia do grupo e ter receio de invadi-la. Porém, em certo ensaio, no ápice da histeria, dois jovens alheios à peça, que passavam pelo local, se aproximaram e pararam a cena, questionando o que estava acontecendo. A orientadora improvisou seu diálogo, tentando incorporar a cena à interrupção e convidando os rapazes para ajudarem a curar a bruxa. Um deles se afastou; o outro, desinteressado com a proposta feita e com a crença de que o fato era real, acusou o grupo de machucar a mulher amarrada ao poste e de causar barulho em sua vizinhança. Naquele momento, houve uma diluição entre o real e o ficcional, ocasionando uma quebra na energia dos atores imersos na cena. A inversão dos papéis sociais daquele momento, onde o pedestre se tornou uma figura de autoridade, despertou diversas respostas improvisadas dos atores. Depois de tentativas de trazer o jovem para a cena, atingiu-se o limite de uma possível jogo com ele, quando o mesmo disse que "daria tiros" caso o fato não parasse. Foram feitas várias tentativas, mas o grupo não conseguiu resolver a situação por meio da própria cena. Após este acontecimento, o diretor e os atores, temendo uma retaliação mais grave, comunicaram a ele que tal situação fazia parte do ensaio de uma peça de teatro, não sendo real. Visivelmente confuso, constrangido e posto em evidência, o rapaz iniciou uma série de justificativas, pondo em contradição pontos que havia falado. Encaminhado o ensaio para o espaço da cena seguinte, a atriz que interpreta a bruxa amarrada5 chamou o jovem para conversar, explicando sobre o grupo e convidando-o para assistir a apresentação. Essa situação, nesse dia, foi encarada pelo grupo como um dos momentos de maior risco vividos durante o processo, devido ao fato do risco físico dos atores. Segundo Carminda Mendes André, inspirada no livro O Teatro Pós-Dramático de Lehmann (2007), o risco é ao mesmo

4 GASPERI, Marcelo Eduardo Rocco de. Sinopse do espetáculo Deus é Fiel - Marca Registrada. Disponível em: www.invernocultural.com.br/wp-content/uploads/2014/05/guia-de-eventos_SJDR-281C2.pdf .Acessado em: 30/09/15.
5 A atriz Iolanda de Lourdes

tempo uma realidade da rua e um estimulante para o artista (ANDRÉ, 2007, p. 61)6. Curiosamente, nos dois dias de apresentação, o rapaz estava junto ao público, trazendo outros jovens de seu bairro para assistir ao espetáculo. Tal fato teve grande importância, já que mostrou o entendimento do rapaz em relação à cena e a presença de um público que possivelmente não está acostumado a ir ao teatro. Depois de vivenciar um momento crítico, os atores/performers puderam acrescentar na cena de histeria coletiva suas reações vividas com a possibilidade de uma interferência.

             Segundo Carreira (in LIMA, 2008), o risco físico permite a difusão de percepções dos atores                a partir dos possíveis efeitos dos seus gestos e deslocamentos, sobretudo quando os atores se                colocam em espaços não confortáveis e desconhecidos. Portanto, o risco revela-se como a                     possibilidade de imprevistos, e até de perigo à integridade física        
                         (CARREIRA apud GASPERI, 2010, p.17)7

      O espetáculo DEUS É FIEL - MARCA REGISTRADA usa de espinhosos temas para provocar os espectadores a uma reflexão sobre seus extremismos e preconceitos. Essa provocação lançada suscita no público diversos tipos de reação. Estando o espetáculo na rua, o espectador tem uma maior liberdade de evidenciar para o restante do público suas impressões.
Esse local específico e único, muitas vezes aberto à própria cidade, e às eventuais interferências dos espectadores-atuadores, vai trazer ainda a questão do inesperado, do diálogo e da incorporação do acaso dentro da obra. Como Glusberg aponta, "deve-se ter em mente que o elemento inesperado na performance é inesperado não só para o espectador, [...] mas também e primeiramente ao artista de performance, cujo trabalho sempre tem um aspecto de inesperado" (GLUSBERG apud ARAÚJO, 2009, p. 254)8


6 ANDRÉ, Carminda Mendes. O Teatro pós-dramático na escola. 2007. 206 f. Tese (Doutorado em Educação)– Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo. 2007. 7 GASPERI, Marcelo E. R. A aproximação entre a cena contemporânea e o espectador transeunte na sociedade espetacularizada: as margens do feminino: agrupamento Obscena. 2010, 103f. Dissertação (Mestrado em Artes) - Escola de Belas Artes, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Belo Horizonte (MG), 2010.
8 ARAÚJO, Antonio. A encenação performativa. Disponível em: www.revistasusp.br/salapreta/article/view/60357 Acessado em: 30/09/15

              O grupo também presenciou outro momento de interferência de um espectador durante os ensaios em julho. Nesse caso, a cena estava sendo realizada nas escadarias do Teatro Municipal e, como de praxe, um pequeno público se formou ao redor dos atores. Nela, a orientadora Abiqueila tentava "curar" um homem manco e um homossexual, pedindo para isso uma contribuição monetária mensal e entoando cânticos acompanhada de sua banda. Um cidadão presente nesse público tirou seu celular e começou a filmar o ensaio, o que não foi visto como problema pelo grupo num primeiro momento. Todavia, o homem, que se identificou como um professor do curso de Arquitetura, começou a gritar críticas ao grupo enquanto realizava a filmagem, virando a câmera para si e lançando críticas até mesmo ao curso de Teatro, condenando os atores por usarem um espaço público da cidade para realizar algo, segundo ele, errado. Inicialmente, houve revolta por parte do grupo, que chegou a iniciar uma discussão com o homem, questionando os argumentos do mesmo para censurar o ensaio. Mas, visto que ele fazia críticas com poucos fundamentos e apenas para provocar, os atores incorporaram a interferência à cena, cantando uma das músicas do espetáculo para ele. Vendo que seu jogo de exposição havia sido comprado, o homem desligou o celular e se retirou. Essa situação durante um ensaio incentivou o grupo a pensar sobre as inúmeras respostas do público diante do espetáculo, ocasionando a posterior realização de um exercício em que os próprios atores se colocavam no lugar da plateia, criando atitudes que pediriam improvisação.

 CONSIDERAÇÕES FINAIS
                    
           De acordo com André Carreira, reconhecer a imprevisibilidade significa aceitar a possibilidade, ainda que momentânea, de uma completa inversão de papéis sociais, e até mesmo da desorganização da ordem estabelecida (CARREIRA, 2010, p.5)9. A cidade vive um fluxo contínuo e intenso, com os pedestres se deslocando pelo espaço sem muitas vezes percebê-lo. Quando essa rotina costumeira é cortada pelos ensaios de um espetáculo de rua, o transeunte se vê como testemunha das ações, despertando seus princípios e formulando questões. Cabe a ele expor suas opiniões ao grupo ou seguir seu curso. Os momentos vivenciados pelo grupo durante os ensaios desenvolveram várias reverberações que foram posteriormente aplicadas no espetáculo. Trazer o espectador a cena, improvisar com ele e conhecer seus argumentos fortalecem as ideias.


9 CARREIRA, André. A cidade como dramaturgia do teatro "de invasão". Disponível em: pt.scribd.com/doc/40287815/andre-carreira-a-cidade-como-dramaturgia#scribd. Acessado em: 30/09/15


sábado, 21 de novembro de 2015



NÃO SE VIVE, NÃO SE MORRE, NÃO SE AMA NO RETÂNGULO DE UMA FOLHA DE PAPEL

Clóvis Domingos (clovpalco@gmail.com) - Orientador: Prof. Dr. Maurílio Rocha - UFMG (mauriliorocha13@gmail.com)
Isaque Ribeiro (isqrib@gmail.com ) - Orientadora: Profa. Dra. Mariana de Lima Muniz- UFMG (marianamuniz32@gmail.com)
Marcelo Rocco (marcelorocco1@gmail.com) - Orientadora: Profa. Dra.          Mariana de Lima Muniz - UFMG (marianamuniz32@gmail.com) co-orientadora: : Profa. Dra. Elvina Maria Pereira Caetano – UFOP – (ninacaetano@gmail.com)
Thálita Motta (thalita.art@hotmail.com) - Orientador: Prof. Dr. Maurílio Rocha- UFMG (mauriliorocha13@gmail.com)


RESUMO: O “Terreiro de Pesquisa”, grupo de estudos formado por estudantes da linha de Artes da Cena (EBA/UFMG), tem como elemento transversal o pensamento sobre a performatividade e a prática performática, entendidos como zonas de ação das nossas pesquisas em processo no PPG-Artes. Na esteira das zonas liminares, busca-se, por meio de uma escrita coletiva, evidenciar as encruzilhadas conceituais que perpassam os artistas-pesquisadores, tais como: corpo/cidade, performatividade/performático, teatralidade e também acerca das implicações entre ética/estética/política. Ainda neste caminho, o grupo resiste às definições dadas como conclusivas, tensionando as certezas sobre o establishment, o eu e o outro, buscando exercitar a alteridade, expressão, mudança; recusando o imediatismo das oposições binárias. No Terreiro de Pesquisa buscam-se metodologias que abarquem a complexa tarefa de aliar teorias e práticas artísticas de pesquisas que se encontram nos entrelugares ou que não estão propriamente situadas em um campo estável do pensamento sobre as artes cênicas. Assim, propõem-se investigações e incorporações de práticas micropolitícas de resistência urbana, atentas à produção de fissuras no tecido político/econômico/subjetivo da macropolítica da cidade neoliberal.
PALAVRAS-CHAVE: Encruzilhada, corpo/cidade, performatividade/performático, políticas e heterotopias.


DO TERREIRO DE PESQUISA: PREÂMBULOS DE UMA ESCRITA PERFORMATIVA
Do terreiro (substantivo transgênero): Terra. Chão. Solo. Território de embate do corpo com a pele do mundo, talvez a pele mais exposta, mais desnuda do mundo. Pisar, dançar, girar - corpo em performance, corpo em festa. Festejar. Mais do que a transcendência, interessa ao grupo a dimensão imanente desse chão, antes mesmo que a poeira se levante. No corpo se teoriza e se pratica arte/vida, ou assim, o grupo intenciona. Modo de pesquisar diferentes linhas, riscados e rabiscos. O traçado é feito de pontos divergentes, convergentes, insurgentes e até dissolventes. O ponto riscado no chão da experiência cruza saberes diversos, tantos quanto os raios que partem de um centro. Arte atravessada por forças distintas. A experiência é uma prática de empoderamento. A reflexão crítica move os princípios e os precipícios e traz novos conceitos agora incorporados até o risco, até a beira. Incorporação (TAYLOR, 2013). Nesse terreiro, o grupo não quer “fechar o corpo”, pelo contrário, o desejo é pelo corpo aberto, poroso, travesso como Erê, transverso como Exu, flechado pelo caboclo Sete Forças, Sete Afetos, Sete Mundos. Tentativa de alargar espaços de troca, de afetos. Espaços de um pensar que ginga, que brinca. Arte, acontecimento, ajuntamento, cidade, corpo, festa, política, performance e bailados que possam reinventar e oxigenar as pesquisas. No Terreiro se pensa a festa festejando o pensar.
Da pesquisa: experimentação intensa. Corpos em risco no campo riscado pelas linhas do desejo. Debruçar-se sobre o que se deseja investigar é sempre um risco, assumir o desejo na pesquisa é a primeira ginga. É preciso encará-lo de frente. Incorporá-lo. Imagens, textos, práticas e conversas são os elementos que produzem as oferendas e os despachos. Aqui se despacha na rua, galeria, teatro, igreja e na universidade. Todos os espaços são possíveis de despacho. Todos os espaços podem se tornar lugares (CERTEAU, 1996), para isso, a prática. Para que a pesquisa se torne lugar: a prática. Lugar praticado para um pensamento incorporado, que não esconde suas afecções. Não buscamos predominâncias, mas alternâncias, intermitências. Pesquisa como lugar de pluralidade. No terreiro “baixam” conceitos de toda ordem e desordem e a possibilidade de encontros, conflitos e dúvidas é o que nos baila. Nele queimam nossos medos e desejos na pira do ritual.
Dos saberes: sempre liminares. Campos instáveis. O grupo fala de muitos lugares, mas o corpo é o território circulante, habitável. Corpografias. Corpocidades. Saberes mestiços que tentam resistir frente a uma ameaça de epistemicídio. O que sabe um corpo? O que pode um corpo? O que pode um corpo saber? E como?
Da encruzilhada: sempre perigosa e conflitante, aponta muitos caminhos e nenhuma certeza. Pode vir de lá, de longe, do desconhecido, aí encontra, risca, corta, junta, sobrepõe, desenha, complica, explica, pontua, excede e festeja. Primeiro o Exu! Bara, em yorubá significa “rei do corpo”. Na simbologia de Exu, orixá da palavra e da comunicação, encontramos a mesma crítica nietzscheana ao lógos ocidental. Na criação desse terreiro, não se trata de investigar necessariamente as raízes africanas, este seria apenas um modo metafórico e provocativo de se permitir a ampliação de um pensar/fazer artísticos sempre renovados, efervescentes. Na encruzilhada as conexões são múltiplas. Nela há o outro, sua pesquisa e os nossos atravessamentos plurais. A performatividade é o que atravessa e intersecciona, criando mais uma camada de traço e de risco.
Sobre o processo de pesquisa do grupo: ainda incipiente, pode-se dizer que o grupo Terreiro de pesquisa se apropria do conceito de “margem” sem a pretensão de discursar sobre a contraposição binária à arte dada como oficial e a arte que não trafega no circuito oficial. Contrariamente, tem-se a noção de que o grupo trafega em um território de pesquisa amplamente estudado na atualidade. Tem-se a ciência de se fazer parte de uma pequena categoria de artistas usufruidores e também construtores de uma arte vinculada na produção acadêmica, ainda que tensionando seus territórios.  Neste sentido, o grupo denomina a sua pesquisa como atuante nas “margens” pelo fato de este realizar determinados recortes teóricos que ainda não aparecem como o principal foco da preocupação de pesquisa em pós-graduação em artes cênicas. Ou seja, o grupo ainda transita pelas bordas, no limiar entre a academia e a rua (onde se dá a nossa prática performática, os objetos de investigação e nossa cotidianidade), entre a institucionalização da arte e trajetos que ainda não são confortáveis, que não foram enraizados pelo tempo. Falamos de uma pesquisa que ainda é escorregadia, que se faz ao caminhar.
SOBRE ALGUNS ATRAVESSAMENTOS DO GRUPO
A noção de performatividade
Josette Féral (2008) se apropria da noção dos conceitos operativos da performance art para criar a terminologia “teatro performativo”, a fim de abarcar uma variedade de expressões artísticas inseridas no teatro contemporâneo, mostrando que a arte teatral foi favorecida por esta linguagem insurgente.

[...] se há uma arte que se beneficiou das aquisições da performance, é certamente o teatro, dado que ele adotou alguns dos elementos fundadores que abalaram o gênero (transformação do ator em performer, descrição dos acontecimentos da ação cênica em detrimento da representação ou de um jogo de ilusão, espetáculo centrado na imagem e na ação e não mais sobre o texto, apelo à uma receptividade do espectador de natureza essencialmente especular ou aos modos das percepções próprias da tecnologia) (FÉRAL, 2008, p.198).
Sobre estas acepções, Féral (2008) descreve que as abordagens teatrais quanto à constituição do personagem, entre outras matrizes cênicas, fundamentais ao longo da história do espetáculo ocidental, passam a conviver com outras formas específicas do teatro contemporâneo, cujos significados da presença cênica, instaurados no corpo do ator, não deixam os elementos supracitados morrer, mas retiram as hierarquizações antes postas.
Referente à cena contemporânea, pode-se dizer que a performance art desestruturou, em meados do século XX, as noções sedimentadas de teatro, modificando a perspectiva da cena até a atualidade. Nascida da multidisciplinaridade, a performance art se lançou como linguagem investigativa, empreendendo a conjugação entre várias formas artísticas que, anteriormente, eram estudadas de maneira fragmentada (SCHECHNER, 2003). Tal linguagem nasceu comprometida com os processos criativos autorais, às vezes autobiográficos, extrapolando, assim, a relação mercadológica que as linguagens artísticas possuíam.
A performance art, em seu surgimento, criticava certas premissas inquestionáveis sobre o que é arte, abalando as concepções dadas por um sistema elitista que definia o que seria ou não aceito pelo mercado (GOLDBERG, 2006). Contrários a essa concepção mercadológica, muitos artistas inquietos usaram a performance art como meio de veiculação de ideias, como forma permeável de articulação entre as diversas falas, e, sobretudo, como lutas ideológicas, enfrentando determinadas formas de exclusão.
Optando, diversas vezes, por trabalhos autobiográficos e trazendo questões consideradas, aparentemente, do âmbito privado, diversos artistas performáticos abordaram temas de suas vidas cotidianas que ecoavam em questões sociais, tais como o racismo, xenofobia, entre outros, caminhando gradativamente da esfera da vida privada para uma política em escala “macro”, propondo ao público, uma reflexão aprofundada acerca de tais temas.
Seus praticantes [da arte da performance] quase que por definição, não baseiam seus trabalhos em personagens previamente criados por outros artistas, mas em seus próprios corpos, suas próprias autobiografias, suas próprias experiências, numa cultura ou num mundo que se fizeram performativos pela consciência que tiveram de si e pelo processo de se exibirem para uma audiência. Desde que a ênfase esteja na performance e em como o corpo ou o self é articulado por meio da performance, o corpo individual permanece no centro de tais apresentações. (CARLSON, 2010, p. 17).
Dentro desta esfera, pode-se dizer que, ao revelar os elementos constituintes das próprias experiências, os performers traziam à tona camadas de consciência sobre suas preocupações de âmbito social. Segundo Carlson (2010), determinadas performances tornaram-se ferramentas políticas, chamando a atenção para as causas humanitárias, sendo elas, vozes dos oprimidos, estes sistematicamente violentados pelos aparelhos hegemônicos.
A obra da performance, baseada primeiramente em material autobiográfico e frequentemente dedicada a dar a voz aos indivíduos ou grupos previamente silenciados, tornou-se no início de 1970, e ainda permanece nos anos 90, a maior parte da performance social e politicamente engajada (CARLSON, 2010, p.187).
Sendo assim, a natureza da performance art não tende a delimitar espaços de poder, mas busca provocar o espectador, dar a ele novos rumos de percepção, sem a finalidade de fechar a obra, como os modelos tradicionais de representação geralmente fazem. Neste Caminho, a performance art resiste às definições dadas como conclusivas, dissolvendo as certezas sobre o redor, sobre eu, sobre o outro, trazendo consigo a ideia de alteridade, de expressão, de mudança.

Sobre o corpo e a cidade
Nas pesquisas do grupo se entrelaçam ações artísticas no espaço público através das práticas de alguns indivíduos e coletivos. Estes desejam criar brechas no uso às vezes apenas utilitário da cidade e tentam criar planos afetivos, oníricos e artísticos num desejo de tornar o corpo da cidade mais permeável aos encontros e trocas. A lógica do consumo agora naturalizada no uso do espaço acaba por dificultar contatos que valorizem a dimensão humana, convivial e até mesmo poética. Para Santos (2008)
O endurecimento da cidade é paralelo à ampliação da intencionalidade na produção dos lugares, atribuindo-lhes valores específicos e mais precisos, diante dos usos preestabelecidos. Esses lugares, que transmitem valor às atividades que aí se localizam, dão margem a uma nova modalidade de criação e escassez, e a uma nova segregação. Esse é o resultado final do exercício combinado da ciência e da técnica e do capital e do poder, na reprodução da cidade (SANTOS, 2008, p.251).
Contra as políticas do medo e do isolamento social, indivíduos e coletivos artísticos praticantes da arte urbana tentam tecer novas territorialidades e temporalidades no intuito de se efetuar um contra-discurso à lógica capitalista. Uma forma de arejar os espaços numa proposta que visa garantir a vitalidade das membranas desse corpocidade. Ações de intervenção e composição urbanas de alguma forma criam zonas temporárias e espaciais renovadas pela presença do corpo afirmando a cidade como espaço de contaminação e heterogeneidades. Isso porque:
[...] o viver e o vivido individuais se reafirmam contra as pressões políticas, contra o produtivismo e o econômico. Quando não confronta uma política com outra, o protesto encontra apoio na poesia, na música, no teatro, e também na espera e na esperança do extraordinário, do surreal, do sobrenatural, do sobre-humano. (LEFEBVRE APUD MARTINS, 1996, p.44).
        Hoje se percebe a insurgência, em todo mundo, nos últimos anos, de artistas e agrupamentos artísticos independentes interessados em problematizar as temporalidades e espacialidades humanas funcionando como corpos complicadores do senso comum e das práticas ordinárias das cidades. Como ação transformadora, a performance de rua ou intervenção urbana se infiltra nas brechas de uma cidade organizada e de alguma forma resiste e contesta os discursos nela vigentes.
            Poderíamos pensar essas intervenções como interversões, isto é, “entre-versões” ou outras versões coexistindo nos espaços. Ou até uma contra-versão, no sentido de uma resposta frente a uma versão dada como oficial e totalitária, o que se aproximaria de uma ideia de contravenção, algo que acontece numa certa ilegalidade, expressão que muito interessa ao grupo nesse tipo de prática. O fato é que:
As obras de arte no espaço público realizam uma experiência sensível e questionadora de consensos estabelecidos e, sobretudo, potência explicitadora de tensões do e no espaço público, em particular diante da atual pacificação, despolitização e estetização consensual dos espaços públicos globalizados (JACQUES, 2003, p.27).
Essas práticas também conhecidas por “arte-ação” tentam promover a inscrição da diferença e do desassossego em espaços que insistem em se manter homogeneizados. Nesse ponto já é possível identificarmos uma forma de operação política. Para Caballero (2011, p.47) tem-se hoje “a emergência de estados efêmeros de encontro que dão espaço a gestos de dissidência e de diferença, e que por isso mesmo invertem as relações com o que nos rodeia”.
            Cada vez mais isolados, ainda que juntos, temos experimentado a cidade como lugar de passagem e não mais como território de encontros. A nós, praticantes da cidade, resta uma vivência empobrecida dos espaços públicos com a instauração de projetos de arquiteturas assépticas e espetaculares (a “cidade outdoor”, na expressão de Jacques [2003]) e não como um lugar de trocas humanas e afetividades, além de relações de naturezas diversas. E isolados perdemos a capacidade política e a faculdade de agir (ARENDT, 2007).
Daí o aspecto político e social da intervenção urbana, como um convite a vivermos a arte como dimensão convivial e “não necessariamente no nível de coletividades massivas, mas também de micro-comunidades e micro-encontros” (CABALLERO, 2011, p. 47). Isso com a criação de obras e situações que podem inclusive ultrapassar e abandonar seus objetivos artísticos, tocando em pontos como cidadania e ações de protesto que atuam em esferas das micropolíticas.
Protestos políticos com festas na rua, ocupações artísticas e comportamentos expressivos individuais e coletivos, greves, piquetes, ocupações, manifestações, bloqueios e paralisações configuram um universo de práticas de ativações que tensionam e estreitam a complexa relação entre arte e política. Por sua vez, tem se tornado mais visível -- dado à facilidade de se estruturar redes na contemporaneidade -- a sua potência em estabelecer trânsitos entre o global e o local, tornando seus vetores ainda mais complexos e fluidos.
Tais inserções estético-políticas estão presentes nas carnavalizações atuais (como nas manifestações públicas), nas quais se pratica a subversão pela comicidade e pela desordem. Sejam nas manifestações que se apresentam de modo festivo, assim como nas intervenções urbanas de um modo geral. Elas provocam e ativam de um modo outro o espaço social, instaurando sobreposições do espaço dado em relação ao espaço como é praticado, dimensionando, em toda sua transitoriedade, o espaço heterotópico (FOUCAULT, 2013).
            Para Foucault (2013), as heterotopias seriam contraespaços, ou seja, espaços absolutamente outros, que se distinguem do plano das utopias que não possuem espaço algum. Estão inseridos no plano da imanência e existem em toda parte. Sendo assim, são lugares permeáveis, de transição, de rito, de clausura, ou seja, espaços desterritorializados, conflitantes e temporários como são as festas de carnavalização política de espaços de controle e territórios em disputa. Foucault assim elabora:
Não se vive num espaço neutro e branco; não se vive, não se morre não se ama no retângulo de uma folha de papel. Vive-se, morre-se, ama-se em um espaço quadriculado, recortado, matizado, com zonas claras e sombras, diferenças de níveis, degraus de escada, vãos, relevos, regiões duras e outras quebradiças, penetráveis, porosas. Há regiões de passagem, ruas, trens, metrôs; há regiões abertas de parada transitória, cafés, cinemas, praias, hotéis, e há regiões fechadas do repouso e moradia. Ora, entre todos esses lugares que se distinguem uns dos ouros, há os que são absolutamente diferentes: lugares que se opõem a todos os outros, destinados, de certo modo, a apagá-los ou purificá-los. São como que contraespaços. As crianças conhecem perfeitamente esses contraespaços, essas utopias localizadas. (FOUCAULT, 2013, p. 19-20. GRIFO DO AUTOR)
São nessas utopias localizadas, habitáveis, efêmeras e instáveis que se situam as pesquisas do Terreiro de Pesquisa, ele mesmo como terreiro -- ainda que, por ora, em um plano metafórico-- um espaço heterotópico em construção que recusa à suposta neutralidade da folha de papel cartesiana, na qual não se vive, não se contamina, portanto, não se pesquisa, não se apreende e não se afeta.
É na tentativa de criar esses espaços de conflito, ou seja, que não fogem à sua complexidade ou ao seu caráter de contradição, que estratégias têm sido perseguidas, visando apenas agitar o modo solitário e habitual de como se tem pesquisado, a fim de estabelecer trocas mais profundas e incorporadas de modo coletivo, ainda em processo. Sempre em processo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução de Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.
CABALLERO, Ileana Diéguez. Cenários Liminares – teatralidades, performances e política. Tradução de Luis Alberto Alonso e Angela Reis. Uberlândia: EDUFU, 2011.
CARLSON, Marvin A. Performance: uma introdução crítica. Tradução de Thaïs F. N. Diniz e Maria A. Pereira. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2010.
CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Tradução de Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis: Vozes, 1998, 351p.
FÉRAL, Josette. Teatro performativo e pedagogia: entrevista com Josette Féral. Sala Preta, v. 9, p.25-267, 2009.
_______. Por uma poética da performatividade: o teatro performativo. Sala Preta, São Paulo, v. 8, p.197-210, 2008.
_______. Teatro, teoria y practica: más Allá de lás fronteras. Buenos Aires: Galerna, 2004. 221p.
FOCAULT, Michel. O corpo utópico, As Heterotopias. São Paulo: Editora N-1 Edições, 2013.
GOLDBERG, RoseLee. A arte da performance: do futurismo ao presente. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2006. 228p.
JACQUES, Paola Berenstein. Apologia da Deriva -escritos situacionistas sobre a cidade. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003.
MARTINS, José de Souza. Henri Lefebvre e o Retorno da Dialética. São Paulo: Hucitec, 1996.
SANTOS, Milton. A natureza do espaço: espaço e tempo, razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 2008.
SCHECHNER, Richard. O que é performance? O Percevejo, Ano II, n. 12. Rio de Janeiro: UNIRIO; PPGT; ET, 2006, p.28-51.
TAYLOR, Diana. O arquivo e o repertório: performance e memória cultural nas Américas. Tradução de Eliana Lourenço de Lima Reis. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013.