Bem Vindo!

TRANSEUNTES

Criado em abril de 2012, o grupo de pesquisa"Transeuntes: Estudos sobre performance e Teatro performativo" foi formado a partir da necessidade de artistas em ampliar os estudos sobre as intervenções performáticas nas ruas. Em parceria entre Professores e Alunos do Curso de Teatro (COTEA) da UFSJ (Universidade Federal de São João Del Rei), o projeto consiste, entre outros pontos, em estudos teóricos sobre determinados autores que abordam o teatro nas ruas e em experimentações práticas que visam inserir o espectador transeunte na construção dos processos criativos, a partir das temáticas referentes às abordagens atuais. A pesquisa tem como principal objetivo investigar as propostas de estreitamento entre a cena contemporânea e o espectador transeunte nas ruas de São João Del-Rei, visando analisar a inserção do público como participante das ações performáticas, na busca de:

(...) Utilizar o ambiente urbano de maneira diferente das prescrições implícitas no projeto de quem o determinou; enfim, de dar-lhe [espectador-cidadão] a possibilidade de não assimilar, mas de reagir ativamente ao ambiente. (ARGAN, 1998, p. 219)

Os membros atuais do grupo Transeuntes são:

Professores - Ines Linke e Marcelo Rocco.

Alunos - Débora Trierweiler; Diego Souza; Diogo Rezende; Fernanda Junqueira; Gabriela Ferreira; Guilherme Soares; Halina Cordeiro; Henrique Chagas; Isabela Francisconi; Kauê Rocha; Nathan Marçal; Paula Fonseca; Rick Ribeiro; Tatiane Talita.

terça-feira, 13 de maio de 2014

Morra na Rua - Apresentação do espetáculo MORRA! Mas Antes Aproveite Nossas Liquidações... em Ubá, Minas Gerais

Morra na Rua
            Consideramos todas as partes de uma pesquisa importantes. Mas no caso do Transeuntes – Grupo de Estudos em Performance, acreditamos que o momento da apresentação seja um dos mais potentes já que nos possibilita refletir sobre um trabalho construído a meses. Situações que promovem reflexões assim são as apresentações em festivais como a ocorrida no início do mês de maio de 2014 no 4° Festival de Teatro de Ubá.           
            Alguns Transeuntes chegaram a pequena cidade mineira na sexta-feira (dois de maio) enquanto outros puderam fazê-lo apenas no domingo. Àqueles que estavam no município foi dada a incumbência de visitar a antiga estação de trem para estabelecer os locais onde aconteceriam cada cena. O trajeto foi estabelecido como forma de valorizar tanto as cenas quanto de provocar novos usos do espaço que é associado por alguns moradores como um local sujo, freqüentado por prostitutas e dependentes químicos. A proximidade com uma casa de prostituição não ajuda a valorizar a estação.
Cabe aqui uma ressalva. Evitamos ao máximo excluirmos a possibilidade de dialogar com os moradores, sejam eles excluídos ou não,  da cidade de Ubá ou de qualquer outra em que nos apresentemos. Tal atitude destoa completamente de nosso discurso e da construção da metodologia do grupo. Contudo esta preocupação parece não estar atrelada de modo natural a todos os grupos que se apresentam na rua.
 Alguns integrantes do nosso grupo de pesquisa que assistiram outras apresentações sentiram-se incomodados com a forma hierárquica com a qual alguns grupos que se apresentaram trataram moradores de rua e passantes embriagados, como se no momento espetacular estabelecido com a presença de “artistas” se anulassem as sobreposições de signos típicas das ruas. Pedro Mendonça, ator e pesquisador do grupo Transeuntes alegou ter refletido muito sobre os acontecimentos e como ocorre efetivamente a apropriação dos  espaços. Segundo ele muitas vezes as peças trazem conteúdos ideológicos que discutem as questões de marginalização, relação entre o espaço público e privado, mas talvez respondam mais a um modismo em lidar com os temas do que um envolvimento engajado interessado em mudanças. Uma vez na rua deve-se, ao menos, considerar a existência autônoma de agentes externos que podem modificar, e no caso dos Transeuntes muitas vezes para melhor, os rumos de uma ação. Pena e Junior reforçam tal pensamento em seu Partilha e Conflito no Espaço Público: Experiências Urbanas na Cidade de Salvador, quando alertam para o fato de que uma vez na rua:
 “(...) os conflitos não devem ser encarados sob uma perspectiva negativa, visto que o espaço público é um lugar de coexistência das implicações cotidianas, do mesmo modo que partilha pode corresponder, diferentemente de compartilhamento, a relações de segmentação dos usos no espaço.” (PENA;JUNIOR, 2012, p. 46)
            Nós que pretendemos usar a cidade como lugar para a execução de nosso trabalho, como espaço para a prática de nosso entusiasmo criador devemos pensar “A cidade como lugar do estranho e do diverso, para além da comunidade de iguais, a cidade como testemunho dos acontecimentos [...]” (RIZEK, 2010, p. 72) e incluir toda esta potencialidade e ambiência no material criador. Não que o reconhecimento de que a rua e seus usuários não devem ser desconsiderados como interlocutores facilite seu uso. Alguns problemas surgidos logo na primeira visita ao espaço de apresentação confirmam a máxima.
            A primeira visita apresenta algumas dificuldades. Principalmente no que concerne a música. Diferente da última apresentação – na cidade mineira de Araguari – não teremos a caixa de som com rodinhas. A música, que muitas vezes auxilia trazendo ritmo à cena, poderá ter sua execução prejudicada. Neste momento aparecem também outras tensões. Ao passarmos um ensaio técnico surgem diversos olhares sobre a cena e o diretor não consegue realizar seu trabalho sem interrupções e comentários. Uma reunião tenta amenizar as diferenças. Nela somos relembrados sobre o papel de cada um no grupo e é solicitado que deixemos o diretor cumprir o seu papel. Em processos de criação semelhantes ao nosso – em que o ator traz materiais criativos a serem organizados e formatados pelo diretor - é entendível que todos se sintam pertencentes e de certo modo autores. Mas cabe a figura do diretor, a partir de seu olhar externo, decidir o que melhor condiz com as ideias articuladas pela peça em questão. Limadas as divergências somos convidados a voltarmos para o alojamento de onde devemos retornar já para o espetáculo que acontecerá ás 16h00. É sugerido que tenhamos um momento do grupo – em forma de alongamento e aquecimento - antes da apresentação em si.       
            A falta de estrutura e suporte por parte da produção local associada com avisos de que em outras peças apresentadas no festival ocorreram intervenções bruscas de passantes e frequentadores do local cria uma atmosfera que a nosso ver reverberou positivamente na apresentação. Longe de insinuarmos que o grupo funcionou apenas a partir de uma demanda de possíveis intrusos, desejamos mais atentar para como a convivência estabelece um amadurecimento das relações. Se por um lado ocorrem diversos momentos de diferença de opiniões e, entre tantos corpos intencionados em se expressar e defender seu ponto de vista, alguns conflitos, temos de algum modo um fortalecimento das relações entre os membros do grupo. Tal afirmação foi confirmada diferentes vezes na apresentação quando a partir das demandas surgidas encontraram-se soluções em conjunto. Talvez isso tenha se dado confirmando o que bem diz Nicolete:
A afinação entre os parceiros que o convívio tende a proporcionar leva, à parte os conflitos também gerados pela intimidade, a certa sintonia criativa, como se uns ‘lessem o pensamento’ dos outros, de modo que as respostas as estímulos possam vir rápidas, os acordos ou os enfrentamentos possam se dar mais objtivamente (sic). (NICOLETE, 2010, p.37)
Alongamentos e aquecimentos realizados em conjunto ajudaram a construir uma base de confiança no outro, necessária a qualquer grupo que se disponha a trabalhar em conjunto. No caso dos Transeuntes isso se dá de forma vertiginosa. A apresentação lida com temáticas polêmicas e com corpos diferentes de padrões hétero-normativos. Somado a isso temos o fato da peça ser extremamente interativa e dinâmica no que diz respeito ao uso do espaço. O deslocamento acontece na rua e mescla o uso de espaços fechados e abertos ampliando assim as possibilidades de intervenções externas.
            Decidimos então que nas áreas externas (praça e varandas da estação) usaremos o som instalado em uma tenda no centro da praça. Tememos que sua potencia nos deixe inaudíveis, mas de qualquer forma o trânsito em torno da estação parece ir ao encontro disso. Como a ala da estação que usaremos estava ocupada por outra cena optamos por trocarmos de roupa na parte externa. Decidimos algumas modificações e apesar da apreensão gerada assumimos que isto faz parte da construção do espetáculo e da linguagem do grupo, principalmente se considerarmos que o grupo Transeuntes é associado a um grupo de extensão que se chama Urbanidades:Intervenções.
            Temos na decisão de alterações evidências do amadurecimento dos membros do grupo. Após a modificação ou suprimento de alguns elementos, cenas ou ações, não notamos nenhum constrangimento ou apego. Entendemos que o que importa não é a conservação de ideias pessoais, mas o espetáculo como um todo. Junio de Carvalho é convidado a entrar depois do tempo habitual, e mesmo que isso de certo modo dê menos visibilidade a sua cena não o incomoda. A praça é enorme e cerca de duzentas pessoas acompanham a cena inicial. Percebemos logo de início que teremos que ampliar nossa voz e gestos. Entendemos que nossa energia e intenções devem ser claras e elevadas já que a competição por atenção em uma hora de grande fluxo de pessoas e automóveis é quase injusta. Logo no trajeto entre a amostra grátis dos efeitos do creme da marca fictícia MORTA e a decida do véu temos um destes momentos. Um veículo longo, espécie de fusão entre trenzinho e trio elétrico passa na rua sobre a faixa que usaríamos. A solução é incluir o “trem” e seu alto som mecânico como parte do espetáculo. Outras situações convidaram os atores pesquisadores a saírem de seu lugar comum.
 Alguns integrantes experimentaram apropriações do espaço físicos que promoviam maior visibilidade. Foram utilizadas mesas, construções de concreto e vigas de madeira e como suporte para as ações das cenas. O acesso a praça é aberto e o fato de ser cercada por diferentes ruas possibilitam a chegada dos espectadores por todos os lados. Este cerco literal provoca os atores a desafiarem qualquer sentido permanente de frontalidade. Tanto o número de espectadores quanto sua disposição não determinada dificulta a visibilidade. Temos a impressão de que é quase impossível assistir todas as cenas com qualidade de visão. Em uma conversa posterior a apresentação somos alertados e assumimos que em momentos iniciais de algumas cenas precisamos convidar os espectadores mais próximos a sentarem. Mesmo não resolvendo todo o problema da visibilidade pode otimizar algumas cenas.
Um ditado popular traz a máxima “inimigos: se não pode com eles, junte-se a eles.” Se alguns veículos surgem interrompendo ações e falas, é da nossa escolha o uso de um deles. Na cena da mesa de café uma personagem surge de algum lugar de forma inesperada. Como o espaço escolhido para a cena em Ubá não permitia o artifício escolhemos que a chegada seria de carro. A escolha condizia com a intenção da cena, já que a figura acabava de chegar de uma viagem de compras. A procissão estabelecida na interação direta com o espectador que recebe velas funciona muito com a iluminação noturna. A cena final apresenta o ápice do problema da visibilidade e o final da peça apresenta problemas que precisam ser revistos.   
Revendo todas as apresentações, desde os ensaios abertos e a participação em festivais acreditamos que esta tenha sido a grande estréia do MORRA. A apresentação ocorreu na rua, com tudo o que ela possui de provocação e diversas situações só puderam acontecer nesta relação. Os espectadores estiveram presentes e, a partir de, podemos detectar quais disposições e ações das cenas são ou não passíveis de reflexão e reconfiguração. Os preparativos para uma próxima apresentação, em Belém do Pará, no fim do mês de maio com certeza terão as marcas desta experiência nada morta.

BIBLIOGRAFIA

NICOLETE, Adélia. Dramaturgia em colaboração: por um aprimoramento. Subtexto. Ano VII. V.7. Dez. 2010
PENA, J.S; JUNIOR, O. A. W. Partilha e Conflito no Espaço Público: Experiências Urbanas na Cidade de Salvador. Redobra. Salvador, Bahia. V.9. 2012



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