Bem Vindo!

TRANSEUNTES

Criado em abril de 2012, o grupo de pesquisa"Transeuntes: Estudos sobre performance e Teatro performativo" foi formado a partir da necessidade de artistas em ampliar os estudos sobre as intervenções performáticas nas ruas. Em parceria entre Professores e Alunos do Curso de Teatro (COTEA) da UFSJ (Universidade Federal de São João Del Rei), o projeto consiste, entre outros pontos, em estudos teóricos sobre determinados autores que abordam o teatro nas ruas e em experimentações práticas que visam inserir o espectador transeunte na construção dos processos criativos, a partir das temáticas referentes às abordagens atuais. A pesquisa tem como principal objetivo investigar as propostas de estreitamento entre a cena contemporânea e o espectador transeunte nas ruas de São João Del-Rei, visando analisar a inserção do público como participante das ações performáticas, na busca de:

(...) Utilizar o ambiente urbano de maneira diferente das prescrições implícitas no projeto de quem o determinou; enfim, de dar-lhe [espectador-cidadão] a possibilidade de não assimilar, mas de reagir ativamente ao ambiente. (ARGAN, 1998, p. 219)

Os membros atuais do grupo Transeuntes são:

Professores - Ines Linke e Marcelo Rocco.

Alunos - Débora Trierweiler; Diego Souza; Diogo Rezende; Fernanda Junqueira; Gabriela Ferreira; Guilherme Soares; Halina Cordeiro; Henrique Chagas; Isabela Francisconi; Kauê Rocha; Nathan Marçal; Paula Fonseca; Rick Ribeiro; Tatiane Talita.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Reflexões sobre as experimentações do dia 10.10.13.


COMENDO CRUA A MENINA MORTA NUA

Pretendo discorrer sobre os exercicios experimentais do processo de construção da encenação performativa, realizado pelo Transeuntes - Grupo de Pesquisas em Performance no dia 10 de outubro de 2013 no Campus Tancredo Neves - UFSJ.
Antes de ser uma análise sobre os exercícios de propostas de cena realizadas a partir do texto citado acima, bem como das vivências anteriores do grupo e dos desejos de cada proponente, pretendo aqui provocar. Nos provocar, Me provocar. Provocar e assim refletir sobre as potências de cada exercício proposto e sobre as possibilidades que cada ideia trás.
De início cada espectador  recebeu  um jornal cujo conteúdo é recheado de histórias trágicas e desfechos violentos. Os jornais “pinga-sangue” eram a moeda. Notícias trágicas possibilitavam a entrada para as cenas-exercício. Um corredor leva á sala cheia de entulhos, jornais. Não deveriam estes conter notícias da menina morta? Não se pode  aqui antecipar em notícias a morte da menina? Outra morte, também de uma jovem, veiculada na mídia pode contribuir para as reflexões no processo.
Em 1985, Omayra Sanchez uma jovem de treze anos, ficou presa nos entulhos deixados pela erupção do vulcão Nevado del Ruiz, na Colômbia. Incapaz de ajudá-la os moradores do local nada puderam fazer a não ser se juntarem a ela a caminho do fim trágico suspeitado por todos. Após 60 horas presa e devido a impossibilidade de ser removida por falta dos recursos necessários, Omayra morreu em frente aos seus conterrâneos, jornalistas e fotógrafos. O caso levantou uma grande discussão sobre a ética jornalística.  Frank Fournier, premiado por fazer uma das últimas imagens da menina, alega que seu trabalho teve a intenção de denunciar o absurdo da situação assim como de ajudar a evitar ocorrências análogas. Desinformados sobre os efeitos positivos ou não de tais coberturas midiáticas, temos aqui um momento de reflexão. Assim como a morte de Omayra era percebida, já que as tentativas de retirá-la ofereciam o risco de parti-la ao meio, não o era a da menina morta nua? Não é esse o desfecho de toda menina que na fala de Gil Gomes é causado pela “[...] falta de oportunidade, de estudo, de tudo.” (XAVIER, 2006, p. 48) Podemos escancarar sua morte inevitável, seu destino fatal com seu rosto em tudo. A imagem da menina em todos os lugares do mundo de terror em que ela não mais está. Deixemos a menina morta e crua desenterrada, sem descanso. Se não sabemos seu nome reafirmaremos sua presença. Até que ela seja suprimida, enterrada pela banalização. Assim talvez consigamos trabalhar a exposição da violência, da morte a partir dos diferentes usos da notícia em jornais impressos pelo chão. Mas não só.
Temos também o jornalismo sem escrúpulos ou medidas éticas. O vencedor é o espectador que no conforto do seu lar - equipado indiscutivelmente pelos produtos mostrados nos intervalos deste mesmo telejornal - assiste a tudo. Vê tudo, mil versões do mesmo. Notícias em massa, fluxo. Cada informação complementa, distoa, diverge, contradiz a outra. Cada notícia produto, melhor pensado. Se Dionísio embriagava todas as classes, a mídia também o faz. Dos programas inspirados em jornais norte-americanos, aos populares com apresentadores  excêntricos tudo é a notícia. A má notícia. A tragédia, a morte. Nosso fim descancarado, revelado, como qualquer desenho infantil. Para em um só instante surgir o comercial! Paz no mundo de horror. Arauto de esperança em um mundo de total desequilíbrio. Só a compra é exata no mundo incerto. Compre e fique linda, compre e pague com o cartão de crédito. Nada de sair de casa e se arriscar nos parques de horror. Compre do seu sofá, com um só clique, e parcele em milhões de vezes, pague quando puder, quando quiser! Compre tudo, adoce sua vida.
Em meio aos corpos sujos, mortos esquecidos. Em meio á morte forjada, forçada, temos o comercial. Adoce sua vida com a bala rosinha! A vida é doce para quem chupa. O comercial e sua lógica invertida, pervertida. O sexo insinuado pelos movimentos e vozes, o ridículo sendo oferecido como regra. Tudo a serviço da compra. Se engorda, se faz mal, se é ruim, quem se importa? Está na moda! Faz sucesso. Só se é bom, só se conquista se chuparmos a bala. Só chuparemos e seremos chupados se chuparmos a rosinha, a bala rosinha. Os doces que a menina vendiam para sobreviver levam ao abuso, do abuso a fuga da fuga para o segundo exercício.
No exercício proposto pela Sabrina Mendes o brinquedo inocente levou ao abuso, ao estupro. A descoberta do trajeto do carrinho que leva a descoberta do corpo do outro, só que aqui sem seu consentimento. Amarrada, presa, a menina é abusada, gritos de horror se misturam a lambidas, desejo e pânico. Uma jovem é abusada e ninguém faz nada, imóveis, somos cumprices?  Como provocar o outro a se aproximar-identificar com o abuso sofrido? Como provocar no outros as sensações vividas pela menina de forma simbólica? Elas precisam ser simbólicas? Para a proponente não.
Os homens de rostos cobertos levam os espectadores vendados para não se sabe onde. Na sala de tortura são abusados com paus, gritos. Muitos abusos sofridos pela menina agora são experimentados no próprio corpo. Do abstrato ao concreto. Do ver para o sentir. Qual experiência é mais completa? Uma enfraquece o sentido da outra? Somam-se? Paga-se pelo silêncio e omissão na sala anterior? O inferno vem em forma de suspeita. Do não se saber de onde e como virá as torturas. Uma espectadora se sente mal. Deixados lá chegam a conclusão de que o exercício acabou. Apenas esse.
Os proponentes seguintes vão para o externo. Mesa posta, cena idem. Na mesa o casal perfeito, movimentos exagerados revelam a família perfeita. Comem notícias de estupros e assassinatos. Lêem rótulos de alimentos indigeríveis. Vivem em meio ao caos sem se importarem. As noticias de corpos ganham corpos. Corpos de notícia. Trocam provocações revezam-se nas notícias de maravilhosas tragédias e catastróficos produtos. A notícia não poderia se infiltrar em maior medida? Corpos na mesa, restos nos pratos. Como a notícia e bebo esse sangue. Como a menina que não matei, mas me alimenta.

Luís Firmato

REFERÊNCIAS
XAVIER, Valêncio. Rremembranças da menina de rua morta nua e outros livros. São Paulo: Companhia das Letras, 2006

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